‘Tragédias climáticas estão ocorrendo mais cedo que o previsto”, alerta Carlos Nobre
Cientista afirma que eventos extremos como o que ocorreu no Rio Grande Sul serão cada vez mais frequentes
De acordo com previsões anteriores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, eventos extremos como enchentes e secas recorrentes seriam esperados por volta de 2030 ou 2040. ‘Tragédias climáticas no Brasil estão ocorrendo mais cedo do que o previsto’, afirma o renomado climatologista brasileiro Carlos Nobre.
No entanto, o recorde de aquecimento global registrado em 2023, com 1,5°C a mais que no período pré-industrial, indica que tais eventos já são uma realidade, como vistos na seca extrema de rios da Amazônia, além do que está enfrentando agora o Rio Grande do Sul, diante das enchentes que já deixaram mais de 90 vítimas e afeta mais de 1,4 milhão de pessoas.
Adiantamos a hora
“O que chama a atenção é que isso está acontecendo de forma muito mais antecipada. Se a gente pegar o relatório do IPCC, de 2007, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz, eu estava inclusive entre os autores, ele indicava que este tipo de fenômeno poderia acontecer por volta de 2030, 2040. Mas eles [fenômenos dos eventos climáticos extremos] já se anteciparam muito, afirma o climatologista Carlos Nobre.
Nobre concedeu entrevista ao Deutsche Welle Brasil. No ano passado, atingimos o recorde de aquecimento, a temperatura média global já subiu 1,5° C em relação ao período pré-industrial. Este ano continua quente. A temperatura média do planeta em fevereiro e março de 2024 já bateu 1,56°C mais quente, é o recorde histórico.
Os modelos indicavam que quando a gente atingisse 1,5°C nós já deveríamos esperar fenômenos muito extremos de chuvas muito intensas e prolongadas como vimos no Rio Grande do Sul.
Nobre ressalta a relação direta entre o aumento da temperatura média do planeta e a intensificação desses fenômenos, evidenciada pela ocorrência de chuvas intensas e prolongadas, como observado recentemente no Rio Grande do Sul. Ele destaca a urgência de adaptar as cidades e realocar cerca de 3 milhões de brasileiros que vivem em áreas de risco, um investimento que demandará centenas de bilhões de reais.
El Niño e Aquecimento Global
Ao abordar a interconexão das tragédias recentes no Brasil, Nobre explica que eventos como as enchentes no Rio Grande do Sul estão ligados ao El Niño e ao aquecimento global, que influenciam diretamente os padrões climáticos, aumentando a frequência e intensidade de eventos extremos em diferentes regiões do país.
Diante desse cenário, o cientista enfatiza a importância de acelerar a implantação de soluções para adaptação aos extremos climáticos e melhorar a capacidade de prever tais eventos, destacando os avanços na previsão meteorológica, mas reconhecendo a necessidade de aprimoramentos, como o uso de modelos climáticos com maior resolução espacial.
Para reconstruir as cidades afetadas e lidar com os desafios impostos pelo aquecimento global, Nobre destaca a necessidade de investimentos em infraestrutura resiliente e políticas de adaptação às mudanças climáticas.
“Mas estes eventos extremos não têm mais volta. Eles vão acontecer com essa frequência. Ondas de calor que levam a uma quantidade imensa de mortes, secas que levam a queda de produtividade e da agricultura, problemas de abastecimento de água e, lógico, esses eventos de chuvas extremas, deslizamentos, enxurradas, tudo o que a gente viu no Sul”, complementa o pesquisador.
Ele ressalta que eventos extremos como os observados recentemente no Sul do Brasil serão cada vez mais frequentes e que é crucial agir rapidamente para minimizar os impactos e proteger as populações vulneráveis.
“Aumentar a resiliência e ter uma política de adaptação às mudanças climáticas é um investimento de centenas de bilhões de reais. O Cemaden já fez um estudo e está refazendo com base no censo de 2022. Este novo estudo deve mostrar que mais de 3 milhões de brasileiros têm que sair das áreas de risco”, afirma Nobre.