O futebol feminino é anulado simbolicamente no Brasil até hoje
Segundo Emily Lima, primeira e única mulher a comandar a Seleção Brasileira Feminina de futebol, a CBF cria obstáculos para a transmissão dos jogos femininos de futebol no Brasil – A importância de transmissão do futebol feminino é muito grande.
Por Laura Yule e Paula Fiuza
“Vivemos no país do futebol, só que masculino.” Segundo Emily Lima, primeira e única mulher a comandar a Seleção Brasileira Feminina de futebol, a CBF cria obstáculos para a transmissão dos jogos femininos de futebol no Brasil – A importância de transmissão do futebol feminino é muito grande. No ano passado tínhamos vários jogos por rodada porque os clubes transmitiam os jogos. A própria CBF acabou cortando isso. Então vamos ter apenas 1 jogo por rodada.
O futebol feminino brasileiro tem títulos importantes conquistados pela seleção, por equipes, por jogadoras e a população brasileira não sabe absolutamente nada dessas histórias. Elas são invisibilizadas, há uma anulação simbólica das suas conquistas, há um desrespeito e um desconhecimento absurdo da resistência, da permanência e da resiliência das mulheres no futebol – relata Silvana Goellner, estudiosa de futebol feminino e professora de educação física da UFRGS. O futebol no Brasil é um bom parâmetro para se pensar sobre a invisibilidade da mulher na sociedade atual. A falta de estrutura e de investimentos começam na educação física nas escolas e vai até a divulgação e o patrocínio das atletas e dos times.
Na contemporaneidade, a sub-representação midiática da mulher no esporte ainda consiste em uma realidade e contribui para a manutenção da hegemonia masculina neste campo. Essa subrepresentação aparece em duas principais maneiras: baixa cobertura quantitativa do esporte feminino pelos veículos de comunicação ou desvio do foco da performance para o corpo, as emoções ou a vida pessoal da atleta. De acordo com o livro “Gênero e mulheres no esporte: história das mulheres nos Jogos Olímpicos modernos” de Fabiano Pries Devide, a mídia televisionada subrepresenta o esporte feminino em suas transmissões e trivializa as experiências das atletas por meio do uso de linguagens misóginas. Devide analisa o cenário no Brasil, apontando que as notícias a respeito do esporte feminino são minorias, e que ainda não há consciência da rentabilidade deste mercado, pois não há o reconhecimento de que estas notícias também possuem espectadores.
O esporte tem importante papel na socialização, e, portanto, seu exercício e midiatização deveriam se desvincular de estereótipos sexistas que delimitam espaços femininos e masculinos. Há uma teoria do teto de vidro, em que as mulheres conseguem alcançar determinado patamar, mas não ultrapassam esse patamar por uma questão de barreiras de ordem cultural e de gênero que não deixam elas avancem na modalidade, “Há uma desigualdade de gênero que atravessa a nossa cultura, não está só no futebol ou no esporte, mas na nossa cultura, que é uma cultura generificada que para as mulheres é muito mais difícil determinados e ocupações apenas porque elas são mulheres. O gênero é um marcador social que hierarquiza o sujeito e a gente percebe isso com muita clareza na diferenciação salarial, na ocupação de espaços públicos, na ocupação de carreiras técnicas e nas carreiras de gestão”, afirma Goellner.
Apesar dos obstáculos, o interesse das mulheres no futebol vem crescendo. De acordo com o relatório do estudo “Mulheres e Esportes”, do Ibope Repucom (2015), realizado em 24 países das Américas, da Europa e da Ásia, 43% das mulheres participantes disseram ter interesse pelos esportes, contra 69% de homens. Mas ao mesmo tempo, tudo que foi conquistado até agora pode acabar de uma hora para outra porque o futebol ainda não é institucionalizado. “Acho que tem uma conquista que já um pouco maior, em termos de visibilidade das equipes e de alguns campeonatos, mas tudo pode acabar, o futebol ainda não é profissionalizado. Essa melhora depende do poder público, das instituições, dos clubes, para além do esforço de todas as pessoas que atuam em função ou em prol do futebol de mulheres, sejam homens, sejam mulheres”, refuta Silvana.
A mídia esportiva também tem o papel de prestar atenção nesse crescente interesse das mulheres pelo esporte e também ao empoderamento feminino, que exige a equidade de gênero e tem se desenvolvido mais em todas as áreas da sociedade. Em 2019, a TV Globo vai transmitir a Copa Feminina de Futebol na França, uma rede nacional transmitindo o jogo pode mudar muita coisa “Que isso não fique só na Copa do Mundo, mas que a Rede Globo possa também transmitir, nem que sejam as fases finais do campeonato nacional, que é algo bastante importante para os clubes, para o futebol e para os patrocinadores”, de acordo com Emily Lima.