Abril Verde: mês dedicado a luta contra o racismo religioso
O território fluminense é marcado por diversos casos de racismo religioso, sendo o epicentro dessa grave violação dos direitos humanos.
Por Renata Souza e Pai Dário*
Se não fosse o candomblé, certamente nós não estaríamos aqui. Se não fosse nossos terreiros, nós não estaríamos aqui. Nossa história, memória, Orixás, Nkisi, Vodun, entidades, encantados e filosofias da comunidade negra brasileira estão nas religiões de matriz africana. Nossos modos de vida e jeitos negros são historicamente preservados e transmitidos dentro de nossas comunidades terreiro. Ao mesmo tempo, moramos no estado com maior número de denúncias de violência contra o povo de terreiro. O território fluminense é marcado por diversos casos de racismo religioso, sendo o epicentro dessa grave violação dos direitos humanos.
Fruto do diálogo com lideranças afro religiosas e sob a perspectiva de elaboração de políticas públicas que sejam reflexo da participação da sociedade civil organizada. Em 2021 foi sancionada a Lei estadual 9.301/21 de nossa autoria, que instituiu o mês “Abril Verde”, dedicado a ações de combate, prevenção e conscientização sobre racismo religioso no estado do Rio de Janeiro. Essa Lei incentiva o Executivo, Legislativo e Judiciário a promover uma agenda durante o mês de Abril dedicada à reflexão e ao debate sobre a temática da violência direcionada às religiões de matriz africana no estado. É necessário um comprometimento substantivo e propositivo das instâncias governamentais e de toda a sociedade brasileira na busca por uma transformação concreta dessa realidade.
Segundo pesquisa do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2023, as delegacias da Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro, registraram aproximadamente três mil crimes que podem estar relacionados à intolerância religiosa. Conforme levantamento realizado pelo Disque 100, canal de denúncia e encaminhamento de crimes de violação dos direitos humanos, aponta para o crescimento das denúncias e tipos de violência motivados por intolerância religiosa.
No período entre 2018 e 2023 houve um aumento de 240,3% dos tipos de violações relatados (de 624 para 2.124 violações). A maioria absoluta das denúncias foram feitas pelo povo de terreiro. Ainda segundo os dados do Disque 100, o Rio de Janeiro, seguido de São Paulo e Bahia é o estado com maior número de denúncias e tipos variados de violências por motivação religiosa.
Outro dado extremamente relevante e sintomático é o de que 65,8% dos casos têm as mulheres, sobretudo mulheres negras, como alvo das agressões por motivação religiosa. Há, portanto, um cruzamento de variáveis raciais, de gênero e religiosas que precisam ser consideradas. Somando-se a gravidade que representa as violências de gênero que estão submetidas as mulheres, agredir as mulheres de terreiro é atacar frontalmente os valores e princípios que organizam a própria lógica e concepção de mundo das comunidades de matriz africana.
Diante desse cenário alarmante, o Abril Verde é uma homenagem a Ossain, orixá das folhas e da cura. O Verde de Ossain faz deste mês o período de reconhecimento, valorização, luta e fortalecimento das tradições dos povos de terreiro. A este grande Orixá pede-se a cura para os males do racismo e resgata a importância dos conhecimentos ancestrais medicinais, as ervas que curam e fortificam historicamente o povo negro. Assim sendo, reforça a profunda relação das comunidades de terreiro no seu cuidado com a natureza e sua respectiva contribuição com o debate global sobre a crise climática: “kosi ewe, kosi Orixá”. Sem folha não há Orixá.
Ademais, endossamos as sábias palavras de ekedy Sinha, importante liderança do Ilé Àṣẹ Ìyá Nasò Ọka, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, na solenidade de “Abertura do Abril Verde” no Palácio Tiradentes: “todo espaço do terreiro é um espaço de preservação de valores culturais e religiosos. São espaços de promoção à igualdade, à saúde, à garantia de direitos”.
* Pai Dario é um homem negro, babalorixá do Ilê Axé Oníṣègùn, jongueiro, coreógrafo, educador e gay. Pai Dário desde cedo teve o terreiro e a cultura popular como sua identidade. Nascido e criado na Serrinha em Madureira, fez das rodas de jongo, do samba e do diálogo com os mais velhos sua fonte de inspiração e luta.