Por Lilianna Bernartt

Pós mesa de debate cujo tema era temporalidade no cinema brasileiro contemporâneo, Kleber Mendonça Filho brincou em seu Instagram: “não sei o que eu falei, mas eu falei”

Na verdade, ele tinha acabado de embarcar em uma – das muitas que participa – discussões e papos acerca da projeção do futuro do cinema brasileiro. 

Aliás, se tem uma coisa que rende nos encontros com Kleber são ótimos papos sobre cinema. O cineasta é presença constante em mesas de debates, bate papos – presencial ou online – não só no que envolve sua obra, mas no que diz respeito ao pensar coletivo do futuro da cultura e do cinema brasileiro.

Dentro desse “pensar o cinema”, o cineasta afirma que “filmes são como peças de artesanato, independente de orçamento ou tempo”. Nesse sentido, é possível observar a estrutura artesanal da obra de Kleber, desde o processo de produção e montagem de seus curtas metragens até os seus mais atuais filmes, como Retratos Fantasmas.

A temporalidade é uma questão que engloba uma gama considerável de aspectos de discussão. Podemos considerar o tempo cronológico, o tempo métrico da produção cinematográfica (curta metragem, média ou longa metragem), ou ainda, no que diz respeito ao recorte e retrato de uma época, à medida em que você se depara com diferentes meios de forma de vida e de cotidiano, bem como, do retrato do fazer cinematográfico, em termos de inovação de equipamento e tecnologia. 

Entretanto, em meio a todas essas possibilidades de discussão, o que se ressalta é a autoralidade, no sentido de que o artesanato cinematográfico, apesar de estabelecido em seu tempo e espaço, só atravessa essa linha por conta da autoralidade, ou seja, da inovação ou relevância, não só da linguagem cinematográfica, mas também do discurso.

Quanto a isso, Kleber valida justamente filmes “feitos à mão”, que conseguem fugir de protocolos cada vez mais estabelecidos por uma das indústrias mais diretamente impactadas pela tecnologia. Com o avanço da tecnologia, com a criação de streamings, novas formas e protocolos surgem, o que, ao mesmo tempo em que colaboram para o acesso do público às produções, por outro lado, acabam por gerar uma leva de filmes similares e estatísticos, que seguem fórmulas algorítmicas.

Foto: Hilreli

Em meio a fórmulas pré-existentes, a busca pela autoralidade se torna cada vez mais valiosa. Sobre isso, Kleber diz: ‘Pra mim hoje, o que mais me chama atenção quando eu vejo um filme, é tentar entender se esse filme foi feito com as ideias mais originais e com o jeito mais incomum, e que mesmo que ele não seja incomum – não é que ele tem que ser estranho – mas é que ele tem que ter uma certa personalidade”. 

Bingo. Personalidade é sinônimo de autoralidade cinematográfica. Parece óbvio, mas de novo, eis uma questão que apresenta uma gama de pontos relevantes. A autoralidade se ramifica em diversas camadas, que nos leva ao início deste texto –  ideia, discurso, soluções criativas e reflexivas, que nem sempre se traduzem em pirofagias cinematográficas. Um dos grandes exemplos citados na conversa que tivemos com Kleber, é o cinema de André Novais, um dos homenageados da 27ª Mostra de Tiradentes, que a partir de um olhar próprio e íntimo acerca do cotidiano, consegue propor reflexões existencialistas de forma amplificada. E o cinema é exatamente um exercício cultural, ferramenta que retrata, provoca a reflexão individual e social, como coletivo. Por isso, outra questão conectada de forma intrínseca a esta discussão são as salas de cinema.

Foto: Hilreli

Nossas salas de cinema são tomadas, em sua grande maioria, por blockbusters, que dominam os horários e salas de exibição. No que diz respeito ao circuito popular, o cinema nacional tem sua difusão através de empresas-empreendedoras culturais que resistem e valorizam o protagonismo do cinema nacional. 

Salas de cinema são criadas com a implementação de tecnologias imax, óculos 5D (se não existe, já tô lançando agora), Dolby Atmos, tecnologias que melhoram e amplificam a experiência cinematográfica do espectador, mas que são incoerentes com a realidade da nossa produção cinematográfica. São pouquíssimas produções nacionais, por exemplo, que são produzidas com a integralidade da tecnologia de som Dolby Atmos. 

Não estamos falando de desincentivar a criação de salas, quaisquer que sejam, mas sim, do incentivo da criação, propagação, de salas de cinema que persigam e promovam o encontro do público brasileiro à sua própria produção, seja pela proliferação do número de salas que exibam conteúdo nacional de forma amplificada – não só de filmes com apelo popular – seja pela amplificação das janelas de exibição, enfim, são muitos os pontos passíveis de discussão. Fato é que o cinema é uma das ferramentas sociais mais potentes para nós pensarmos como indivíduos e como coletivo, de forma que o incentivo e acesso a este tipo de exercício social deve ser incentivado, visando nossa identificação. 

“A gente precisa parar de se sentir estrangeiros nos nossos cinemas”. 

Em suma, é necessário que o Brasil se reconheça nas próprias telas.

Leia mais:

https://midianinja.org/news/a-simplicidade-grandiosa-do-cinema-de-andre-novais/

https://midianinja.org/news/barbara-colen-uma-atriz-que-rege-o-seu-proprio-tempo/