O beabá de uma estrutura racista que condena injustamente homens pretos
Uma estrutura racista é capaz de estatizar a vida de homens pretos que enfrentam inúmeros obstáculos no dia a dia para se ter o direito básico de existir.
Em 2018, um candidato que estava prestando um concurso público aberto pela Prefeitura de Morrinhos, município a 128 km de Goiânia, havia denunciado uma questão racista na prova de conhecimentos gerais, em que se buscava através de algumas opções saber a “origem do racismo” a partir da transcrição de uma passagem bíblica. Em (Gênesis, 9:25), Canaã, filho de Noé, embriaga-se e é condenado a servir como escravo. Dentre as opções de resposta, o candidato encontrou as seguintes alternativas: a) “negro parado é suspeito, correndo é ladrão, voando é urubu”; b) “negro só tem de gente os dentes”, c) “negro quando não suja na entrada, suja na saída”; d) “negro deitado é um porco, e de pé um toco”. A alternativa correta, segundo o gabarito, seria a resposta “b”. E é exatamente daqui que parto, pois uma estrutura racista é capaz de estatizar a vida de homens pretos que enfrentam inúmeros obstáculos no dia a dia para se ter o direito básico de existir.
Darien Harris, um homem de Chicago, foi condenado por assassinato em 2014 e sentenciado a 76 anos de prisão pela morte de Rondell Moore em 2011 em um posto de gasolina. No entanto, ele foi liberto da prisão na terça-feira depois que um juiz anulou sua condenação. Foi revelado que sua condenação se baseou no depoimento de uma testemunha que era legalmente cega. Sim, é isso mesmo, a testemunha que levou Darien a passar 12 anos na prisão, segundo a CBS News, é cega.
Parece surreal, mas uma pessoa legalmente cega identificou um homem preto como o assassino em um caso em Chicago, nos Estados Unidos. Em uma rápida pesquisa na internet, é possível encontrar muitas outras histórias nos Estados Unidos, e também no Brasil, de casos em que o racismo estrutural influenciou diretamente na condenação de pessoas pretas.
A história de Darien Harris ecoa outras narrativas impactantes, como a de Angelo Gustavo no Rio de Janeiro, que foi injustamente preso em 2014 por um roubo de carro, mesmo apresentando um álibi sólido. A vítima identificou Angelo como um dos assaltantes após fazer uma investigação nas redes sociais e o identificar através de uma curtida em uma página do Facebook.
Dados alarmantes do National Registry of Exonerations ressaltam as disparidades raciais no sistema criminal, indicando que pessoas pretas são sete vezes mais propensas a serem condenadas injustamente por crimes graves em comparação com os brancos. O estudo também destaca que, embora os negros representem uma parcela significativa das exonerações, eles constituem uma minoria na população geral. Em particular, a condenação injusta por crimes relacionados a drogas demonstra uma disparidade gritante.
A atuação da Innocence Project, uma organização dedicada à exoneração de pessoas inocentes, destaca a urgência de enfrentar essas injustiças sistêmicas. Os dados revelam que quase 60% das pessoas exoneradas por essa organização são negras, destacando a necessidade de uma reforma substancial no sistema judicial.
O racismo estrutural é um fenômeno intrinsecamente arraigado na sociedade, impactando todos os aspectos da vida, inclusive o sistema de justiça criminal. A manifestação desse fenômeno é clara no processo de definição de suspeitos, onde se percebe uma inclinação racial. O racismo estrutural permeia as estruturas do sistema judicial de maneira profunda, conduzindo à atribuição de uma cor ao suspeito antes mesmo de sua identificação, sendo essa cor frequentemente associada ao preto.
O sistema se reconfigura como uma instituição permeada por traços racistas, estabelecendo padrões e diretrizes que delineiam quem pode desfrutar e ter seus direitos constitucionais preservados. Apesar da oficial abolição da escravidão, suas raízes continuam a perdurar, infiltrando-se nas estruturas sociais contemporâneas.