Delegação de grandes empresas de carne e laticínios triplica na COP 28
As cinco principais empresas de carne do mundo têm emissões estimadas significativamente maiores do que as gigantes do petróleo Shell e BP
Por Rebecca Lorenzetti
A COP 28, sediada em Dubai, viu um aumento significativo na presença de representantes de grandes empresas de alimentos e agricultura. Um total de 340 delegados, incluindo agroindústrias renomadas, como a processadora de carne JBS, a gigante de fertilizantes Nutrien, a multinacional de alimentos Nestlé e a empresa de pesticidas Bayer, marcam presença. Grupos comerciais influentes da indústria também enviaram seus representantes.
O interesse no setor de carne e laticínios é particularmente notável, com 120 delegados em comparação aos 40 presentes na COP 27, realizada em Sharm El-Sheikh, Egito. A análise do DeSmog revela que o número total de representantes da agroindústria mais que dobrou desde 2022, totalizando 340 participantes.
A pressão sobre essas empresas aumentou devido à poluição causada pela pecuária, que contribui com cerca de um terço das emissões globais de metano, um gás de efeito estufa de vida curta. As cobranças são no intuito de reduzir a produção como uma solução eficaz para desacelerar o aquecimento global.
Para Ben Lilliston, do Instituto de Política Agrícola e Comercial, “um triplo aumento de delegados é alarmante – isso destaca a necessidade urgente de reformas que limitem a influência corporativa nas reuniões climáticas da ONU”.
As cinco principais empresas de carne do mundo têm emissões estimadas significativamente maiores do que as gigantes do petróleo Shell e BP. O setor lácteo, com sua contribuição de 3,4% para as emissões globais humanas, supera a participação da aviação.
Lobbies agroindustriais, como o Instituto Norte-Americano da Carne, também marcaram presença em Dubai. Esse instituto, que afirmou em 2022 que a extensão das mudanças climáticas causadas pelo homem era “desconhecida”, e a Aliança da Agricultura Animal, que argumenta que a carne é “vilanizada” e seus impactos climáticos são exagerados, estão entre os lobbies ativos na COP 28.
A Nestlé, segunda maior empresa de laticínios e maior processadora de alimentos do mundo, aumentou sua delegação para 14 membros em comparação com apenas dois em 2022. A Bayer, Syngenta, BASF e sua associação comercial CropLife, que resistiu às tentativas de implementar novas medidas climáticas, enviaram 29 delegados.
A indústria de fertilizantes sintéticos também viu um aumento acentuado, com 40 delegados presentes nas negociações de 2023, em comparação com apenas 13 no ano anterior.
A presença massiva de representantes da agroindústria gera preocupações entre pequenos agricultores, como Karina Gonçalves David, brasileira, que destaca que a influência dessas grandes empresas no evento pode prejudicar as discussões sobre soluções para a crise climática, transformando o espaço em um local de lobby. Pequenos produtores, responsáveis por um terço da produção mundial de alimentos, muitas vezes sentem que suas vozes são abafadas pelos interesses financeiros mais poderosos.
Esther Penunia, Secretária-Geral da Associação Asiática de Agricultores para o Desenvolvimento Sustentável, expressa sua preocupação com a desproporção de recursos, afirmando que os agricultores familiares recebem apenas 0,3% do financiamento climático público internacional, apesar de produzirem um terço dos alimentos do mundo.
Além do aumento no número total de representantes da agroindústria, o DeSmog identificou um aumento acentuado na presença desses representantes nas delegações nacionais. Mais de 100 delegados agora fazem parte de delegações de países, concedendo-lhes acesso privilegiado às negociações diplomáticas, em comparação com apenas 10 em 2022.
Grandes empresas de alimentos anunciaram iniciativas voluntárias no COP 28, como a parceria AIM for Climate e a iniciativa “Paisagens Regenerativas”. No entanto, críticos apontam que essas ações carecem de metas concretas e prazos específicos para eliminar práticas ambientais prejudiciais.
DeSmog destaca que a influência da indústria agroindustrial nas negociações climáticas, especialmente quando integrada às delegações nacionais, pode favorecer iniciativas voluntárias em detrimento de medidas mais rigorosas. A presença significativa desses representantes corporativos nas negociações climáticas globais levanta questões sobre a verdadeira intenção por trás dessas iniciativas voluntárias e sobre quem realmente se beneficia delas.
Enquanto as discussões continuam em Dubai, a atenção se volta para a busca de soluções eficazes para a crise climática, garantindo que todas as vozes, especialmente as dos agricultores familiares e comunidades vulneráveis, sejam ouvidas e levadas em consideração.