Em passagem pelo Brasil, Viola Davis defende mais espaço para histórias negras nas telas
Atriz está presente em Salvador, para o Festival Liberatum
Por Deyse Reis
Viola Davis, renomada atriz norte-americana – vencedora dos prêmios Tony, Emmy, Grammy e Oscar – veio a Salvador para participar do primeiro Festival Liberatum no Brasil. Desde 2001, o festival promove programas como debates e masterclasses com ícones da cultura negra, para retratar a importância de mudanças sociais em vários segmentos da indústria criativa. Além de Viola, outros grandes nomes como Érika Hilton, Seu Jorge e Margareth Menezes participam do festival e a atriz Angela Bassett e a cantora Alcione serão homenageadas no evento.
Atração principal do primeiro dia do Liberatum, Viola Davis surgiu ao lado de Taís Araújo, Julius Tennon e Melanie Clark para o painel “Contos de Afrodiáspora”. Com o auditório completamente lotado de fãs entusiasmados, os convidados conversaram sobre a importância da criação de histórias negras a partir de um ponto de vista não colonial.
Ao ser questionada sobre sua relevância como atriz e filantropa, Viola confessou que, apenas após a série “How To Get Away With Murder”, conseguiu notar o seu alcance para grandes audiências.
“Quando se é ator, você não tem noção de quem está te assistindo. E o poder disso é… você percebe que tudo que lhe foi falado sobre ser uma atriz negra, é uma mentira. As limitações de histórias, do que as pessoas querem ver. Na verdade, chamo isso de internalização da opressão, que é quando o opressor te diz que apenas parte da população acha sua história interessante. Mas lembro de ir até a Itália, estar em um hotel e ter muita gente do lado de fora. E eu pensei: ‘Mick Jagger está aqui?’. Não. Eles estavam lá por mim. E então você percebe que esse é início do processo de redefinir a si mesma e de redefinir o que é ser uma artista. Eu sempre acreditei que, tudo que você faz como artista, especialmente se você faz com honestidade, as pessoas vão querer ver. E isso me empoderou”.
O esposo de Viola, o produtor Julius Tennon, em um jantar na noite anterior ao evento, anunciou a criação da empresa “Axé”, um estúdio de produção de podcasts, sediado em Salvador e com apoio da prefeitura local, com o objetivo de internacionalizar as histórias negras. O primeiro episódio, que deve ser desenvolvido no ano que vem, será sobre Zumbi dos Palmares. Durante o painel, Julius falou sobre a intenção de ligar o Brasil a Hollywood.
“Eu acho que essa é uma oportunidade coletiva que devemos fazer juntos. A oportunidade veio no momento certo, no poder político certo. Então, eu sei que podemos fazer isso juntos. E nós queremos ser a ponte entre Salvador e Hollywood. Estou me sentindo muito encorajado e inspirado porque sei o que queremos fazer. Queremos fazer algo bonito e impactar nossas crianças. Suas crianças. O que vamos deixar para elas? É hora de passar a tocha e continuar o legado”.
Além do podcast, o Brasil estará ligado a Hollywood também através da adaptação de “O Beijo no Asfalto”, peça do autor Nelson Rodrigues. Produzido pela empresa de Viola, Juvee Productions, o filme será comandado por Melanie Clark (A Mulher Rei). A diretora comentou sobre a honra de tocar o projeto.
“Eu me sinto muito honrada de produzir e desenvolver esse filme para o público norte-americano porque a diáspora latina é muito grande. Ele (Nelson Rodrigues) pode ser um herói para muitos, mas desconhecido para outros. Estamos honrados e profundamente agradecidos pela oportunidade de trabalhar com essa obra tão importante. E também vamos contar a história através da visão de uma família cubana em Miami. Isso vai ser importante para lembrar às pessoas que as histórias de Nelson são atemporais e dialogam com as comunidades no mundo inteiro. Essa é a história sobre um homem que se encontra em uma série de mal-entendidos e essa é uma história comum. E é importante usar o que a Juvee já construiu através dos anos, trazendo não só dinheiro, mas influencia e a capacidade de levar as histórias a milhões de pessoas ao redor do mundo. Isso é o que nós fazemos. Damos voz a pessoas sem vozes. E apesar da voz de Nelson já ter sido escutada por vocês, muitos no mundo não a ouviram. E nós podemos fazer isso. É um presente e uma incrível honra”.
A brasileira Tais Araújo reforçou a necessidade de discutir com a população negra que quer ser retratada. Para ela, Salvador é um polo cultural criativo gigantesco no país, reafirmando a relevância de um evento como o Liberatum na capital baiana.
“Eu quero escutar outras pessoas negras, quero conhecer pessoas novas e depois realizar em cima das ideias que foram colocadas aqui. Se o primeiro ano do evento está sendo assim, tão grande, acho que no ano que vem tem a chance de ser muito maior, de atrair ainda mais pessoas. Então, que o Liberatum cresça mesmo e que seja essa plataforma de narrativas negras”.
Para finalizar, Viola defendeu a necessidade de mais narrativas negras na indústria cinematográfica e cultural.
“Existem muitas histórias ainda não contadas. Todos que estão aqui neste auditório… nenhuma de suas histórias foram contadas. Acho que há uma limitação de contação de histórias sobre pessoas negras, sobre a diáspora africana e é aí que a revolução deve acontecer. Um monte de histórias sobre mulheres negras não foram contadas. Mulheres negras sempre foram sexualizadas ou vistas como arruaceiras e complicadas. E a tarefa do artista é se rebelar”, afirmou.
“E, ainda quando contamos essas histórias, elas são vistas pelas lentes dos colonizadores. Somos sempre traficantes ou mulheres de comunidades urbanas. E até quando é uma história de fantasia, é extremamente limitada e não conseguimos nos enxergar naquilo. Nós precisamos ter o poder, a autoridade e a coragem de contar as histórias de quem realmente somos sem ter que pedir desculpas por isso. Há um ditado que diz que todo ser humano é extraordinário. E, alguns dos grandes autores da história, como Arthur Miller e August Wilson, contaram histórias de pessoas comuns. Toda vez que entramos em um cinema e nos vemos ali, esse é o objetivo. Não precisamos fazer declarações extraordinárias. Somos apenas pessoas vivendo nossas vidas e somos negros. E isso é arte”, concluiu a artista.
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