Por Mariana Leite Dantas*

Sobre corpos e cargas pesadas: este é o recorte da segunda sessão da Mostra Manifestar o Desejo: mulheres e dissidências no cinema latino americano 1966-2021, parte da programação do 25º FestCurtasBH, que acontece até o dia 21 de outubro na capital mineira. Com produções de quatro artistas latino-americanas e de um coletivo audiovisual selecionadas pela crítica peruana Mónica Delgado, a sessão constrói um diálogo entre as diversas visões, experiências e sentimentos que permeiam o viver feminino. Aqui, iremos direcionar a atenção a dois curtas em particular: Victoria – Black and Woman (1978), de Torgeir Wetal, e Un Secreto Para Mi Sola (1987), de Rossana Lacayo. 

Em VictoriaBlack and Woman, conhecemos um pouco do trabalho de Victoria Santa Cruz, artista, poeta e ativista afro-peruana, integrante do Grupo Nacional de Folclore do Peru. O documentário alterna entre momentos de entrevista com Victoria, cenas de uma apresentação de dança das tesouras, performances de ritmos africanos, além da icônica declamação do poema Me gritaron negra:

“Tenía siete años apenas, 

apenas siete años ¡Qué siete años!

¡No llegaba a cinco siquiera! 

De pronto unas voces en la calle¡

Me gritaron Negra!” (SANTA CRUZ, Victoria, 1978)

Entre pensamentos e movimentos, o documentário se constrói de forma rítmica, através das considerações de Victória acerca de sua vivência como mulher negra. A construção de sua identidade foi permeada por reflexos de uma sociedade racista. No entanto, a artista afirma que as opressões sofridas por ela a fortaleceram e permitiram que ela se tornasse quem é hoje. Contribuindo com sua riquíssima bagagem aos movimentos artísticos peruanos, Victória traça em sua fala e na força de sua expressividade corporal reflexões que conectam processos íntimos de autoconstrução a processos coletivos de evolução e união cultural. 

Não muito distante, se constrói Un Secreto Para Mi Sola, documentário nicaraguense que acompanha as experiências da poetisa Vida Luz Menezes no contexto da Revolução Sandinista. Filha de um membro da guarda nacional, ela teve contato com os ideais revolucionários desde nova, chegando, mais tarde, a integrar o Ministério da Cultura. Um dos pontos centrais deste curta, além da luta social, é a relação ambígua de Vida Luz com o catolicismo, uma vez que, apesar de se apoiar na religião, ela também traça críticas aos aspectos sexistas da instituição. Aliás, como levanta uma das falas do documentário, Vida Luz e suas companheiras iniciaram uma revolução dentro da própria revolução ao questionar o papel das mulheres naquele contexto e na sociedade como um todo.

Vida Luz Menezes, bibliotecária, poeta, reitora e ativista social nicaraguense. Foto: Reprodução

Outro aspecto que permeia a construção da personagem são seus processos de perda: a morte do pai e o distanciamento dos filhos após o divórcio. Ao reler algumas cartas e confessar seus sentimentos em relação à ausência dos filhos, a poetisa demonstra ter adotado um tom mais melancólico ao longo de sua experiência. Ao final do curta, somos informados de que um dos filhos que ainda morava com Vida Luz foi sequestrado pelo pai, reforçando o peso da perda.

“Y pasaba el tiempo, 

Y siempre amargada 

Seguía llevando a mi espalda

Mi pesada carga 

¡Y cómo pesaba!…” (SANTA CRUZ, Victoria. 1978) 

Nos diálogos de duas vivências tão distintas e ao mesmo tempo tão semelhantes, encontramos mulheres que buscam ressignificar suas dores, procurando dentro de si a liberdade que, outrora, buscavam fora (SANTA CRUZ, Victoria). Entre corpos e cargas pesadas, surge beleza, constroem-se poéticas e narrativas únicas e crescem flores ao redor das cicatrizes. 

“Al fin comprendí 

Al fin Ya no retrocedo 

Al fin Y avanzo segura” (SANTA CRUZ, Victoria. 1978)

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*Aluna do curso de Cinema da PUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Cobertura colaborativa do 25º FestCurtasBH.