Com 13 votos a favor e 3 contra, o Projeto de Lei 2903, que transforma o Marco Temporal em Lei, foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado na tarde de quarta-feira (23), em Brasília (DF). Agora, o PL segue para avaliação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

O texto prevê que povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam, de forma “permanente”, na data da promulgação da Constituição de 1988. Portanto, na prática, se as comunidades não comprovarem que estavam nas terras em 5 de outubro de 1988 podem não ter o direito à terra garantido.

“Essa audiência não se compara nenhum pouco com o processo de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, conforme prevê a Convenção 169 OIT”, afirmou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) durante audiência pública antes da votação. “É preciso ampliar o debate, pois somos nós os mais impactados! Votar às pressas, hoje [quarta-feira], um relatório que é um copia e cola que veio da Câmara dos Deputados é não debater o processo. Que debate vossas excelências estão fazendo?”.

Marcha em apoio ao Ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente (Myke Sena / WWF-Brasil)

Outros Prejuízos

O Marco Temporal é uma tese política, patrocinada pelo agronegócio, e pretende mudar o rumo da história dos povos indígenas e agravar a crise climática.

O Projeto de Lei também autoriza qualquer pessoa a questionar o processo demarcatório, inclusive de terras indígenas já demarcadas, e favorece a grilagem de terras, pois reconhece títulos de terras que estão sob áreas de ocupação tradicional.

Além do prejuízo sob demarcações, a Apib listou outros retrocessos que o PL pode trazer:

1. Transferir a demarcação das Terras Indígenas do Poder Executivo para o Poder Legislativo
Querem colocar as raposas cuidando do galinheiro. Querem fazer com que os deputados que defendem os grandes donos de terra decidam sobre a vida dos povos indígenas.

2. Permite a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em TIs, sem consulta prévia, livre e informada
Querem rasgar a Constituição e atropelar direitos internacionais dos povos indígenas, como o direito a consulta determinado pela convenção 169 da OIT.

3. Autorizar que fazendeiros façam contratos com indígenas para plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em TIs
Querem legalizar crimes federais, ampliar os conflitos territoriais e enganar nossos parentes.

4. Permite que qualquer pessoa questione os processos de demarcação dos territórios, inclusive dos já demarcados
Querem aumentar as inseguranças jurídicas nos nossos territórios e perpetuar nosso genocídio.

5. Reconhece a legitimidade da posse de terra de invasores de TIs, facilitando a grilagem de terras
Querem premiar criminosos.

6. Recupera ordenamento jurídico ditatorial que promove aculturação dos povos indígenas
Querem promover mais repressão aos nossos direitos.

7. Flexibiliza a política de não-contato com povos indígenas isolados
Querem acabar com uma política fundamental para proteção indígena e promover o extermínio dos povos isolados.

8. Reformula conceitos constitucionais da política indigenista, como a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo
Direitos não se negociam. Nosso direito é anterior ao próprio Estado e anterior a qualquer outro direito.

Foto: Carlos Moura/STF

Urgência para barrar STF

A urgência para a aprovação no Congresso ocorre pois a votação da tese do Marco Temporal já estava marcada para ser votada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 7 de junho, contudo, parlamentares, pressionados pelsaBancada do Agro, temendo derrota, decidiram por fazer a votação longe do Supremo. 

A definição estava prevista para a sessão do último dia 7 de junho, mas o ministro André Mendonça pediu vistas da matéria.

Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes foi o único a votar. Ao se posicionar contrário à tese do Marco Temporal, ele disse considerar que a data da promulgação da Constituição não pode ser utilizada como ponto de definição da ocupação tradicional da terra por comunidades indígenas.

A presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, agendou para a próxima quarta-feira (30) a retomada do julgamento.

Texto com informações da APIB.