Juiz da Bahia não vê trabalho escravo em caso de doméstica sem salário desde os 7 anos
A decisão do juiz, baseada no argumento de que a relação era familiar e não de trabalho, é criticada por especialistas
A Justiça do Trabalho, na Bahia, rejeitou o pedido de indenização de uma empregada doméstica, de 53 anos, que foi vítima de trabalho escravo por mais de quatro décadas. A mulher, que começou a trabalhar na casa de uma família, em Salvador, aos 7 anos de idade, não recebeu remuneração durante todo esse período. O Ministério Público do Trabalho (MPT) planeja recorrer da decisão, considerada “adequada” pela defesa da família, mas criticada por entidades de defesa dos direitos humanos.
O juiz responsável pelo caso argumentou que a trabalhadora nunca foi tratada como uma funcionária, mas sim “como um membro da família”, o que negaria qualquer relação de trabalho ou vínculo empregatício. Segundo o magistrado, ela não teve oportunidade de estudar, como os filhos biológicos dos patrões, e nunca aprendeu a ler e escrever.
A ação, movida pelo MPT, pretendia que a empregada doméstica recebesse os salários atrasados, além de benefícios como FGTS, férias remuneradas e 13º salário, totalizando uma indenização de R$ 2,4 milhões. A fiscalização, realizada em 2021, constatou uma jornada exaustiva de 15 horas diárias, condições degradantes e trabalho forçado, elementos característicos do trabalho escravo.
A decisão do juiz, baseada no argumento de que a relação era familiar e não de trabalho, é criticada por especialistas.
Em entrevista ao UOL, a pesquisadora Marcela Rage, da UFMG, ressalta que o afeto distorce a percepção da situação, afastando o foco do trabalho realizado e dos direitos negados à empregada doméstica. Admar Fontes Júnior, coordenador estadual de combate ao tráfico de pessoas e trabalho escravo, na Bahia, destaca que muitas trabalhadoras resgatadas relatam a sensação de pertencerem à família, embora estivessem vivendo em situações precárias de moradia e alimentação.
Os casos de resgate de trabalhadoras domésticas têm se tornado mais frequentes, no Brasil, desde 2017. Para a pesquisadora Marcela Rage, é necessário um trabalho institucional para tornar visíveis as engrenagens da exploração no trabalho doméstico, desconstruindo a ideia de que a casa é um lugar de afeto, a fim de evitar a perpetuação dessa prática cruel.