Por Kaio Phelipe

Adé Dudu foi um grupo fundado em Salvador, em 14 de março de 1981, formado por homossexuais negros e teve em sua rede grandes nomes como Tosta Passarinho, Ermeval da Hora, Wilson Mandela e Hamilton Vieira que, na época, usava o pseudônimo Estêvão dos Santos. O grupo atuou durante 10 anos na luta contra o “duplo preconceito” e iniciou a discussão do racismo dentro do Movimento LGBTQIAP+ e a homofobia dentro do Movimento Negro.

Ermeval da Hora é pedagogo, pós-graduado em Gestão Escolar e Novas Tecnologias e Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, servidor público, militante do Movimento Negro Unificado (MNU), coordenador nacional do Coletivo LGBTI+ do MNU, membro do Fórum de Terreiros de Matriz Africana e conselheiro de cultura em Itaparica.

Quem foi Tosta Passarinho?

Ermeval da Hora – Edson Santos Tosta, esse era o nome dele. Tosta Passarinho ele adotou depois. Tosta sempre atuou nos movimentos contra a repressão militar. Depois, como ele dizia, se autoexilou na Bolívia e, de lá, foi para o Peru, de onde foi expulso por se envolver com o movimento estudantil. Ele sempre foi dessas vivências e andanças políticas. Tosta tinha uma postura radical no MNU, do qual foi um dos fundadores. Ele era muito amigo de Lélia González. Eu não tinha uma relação íntima com ela, tinha um contato maior só quando vinha para Salvador. Mas Tosta e Lélia viveram muito juntos, já que ele era representante do Movimento no Conselho Memorial Zumbi. Ele fazia parte dos estudos que foram realizados para tombamento da Serra da Barriga da Bahia, junto com a Universidade Federal de Alagoas, junto com Zezé Motta, Grande Otelo, com outras personalidades negras com quem ele conviveu. Tenho conhecimento de tudo isso porque éramos muito próximos. Conheci ele no final da década de 70 e a gente se via muito no Centro Histórico de Salvador, no Pelourinho. Ele que me levou para o Movimento Negro Unificado, onde recebi as primeiras formações da minha trajetória política, que achei que não fosse chegar tão longe. Percorremos muitas lutas, muitos sofrimentos, estávamos lutando no surgimento do movimento homossexual brasileiro com o Grupo Somos, que se iniciou em São Paulo. Estávamos sempre juntos nesse momento de repressão policial e repressão contra o homossexual. Naquela época, nós usávamos esse termo. Ainda não se usava a palavra gay e a sigla LGBTQIAP+, essas são conquistas recentes de lutas que iniciamos. Além disso, Tosta era compositor. Ele tem música gravada em um disco do Olodum, interpretada por Lazzo Matumbi, o nome é Sueños Lejos. Tosta Passarinho faleceu no município onde eu nasci e estou atuando.

Tosta Passarinho. Foto: Arquivo pessoal

O Adé Dudu sofreu censura e perseguição por parte da ditadura hétero-militar?

Ermeval da Hora – O grupo, em Salvador, não sofreu agressões muito próximas. Nós sabíamos da ideologia da classe opressora, mas não sofremos agressões diretamente contra o Adé Dudu. Vivíamos sobre o regime e tínhamos conhecimento de todo o preconceito, daí nós escolhemos uma linha para trilhar e não sofrer as violências físicas que naquela época aconteciam. Mas sofremos muito psicologicamente. Adoeceram a gente. Até hoje continuam nos adoecendo. Nós, negros e gays, somos os que mais morremos nesse país. A opressão é gritante.

Qual era a importância do candomblé para o grupo?

Ermeval da Hora – A partir do nome Adé Dudu, essa junção de palavras já evidencia a relação com o candomblé. É uma religião que é nossa e temos o papel de fazer a sua defesa. Adé é o mesmo que homossexual, viado, bicha. Dudu é negro. Então a gente já se funda com a língua iorubá para mostrar a nossa ancestralidade. No grupo, todos éramos ligados ao candomblé. Alguns frequentavam a igreja católica, mas eram ligados ao candomblé pelo sincretismo e faziam parte dos dois espaços. Mas a maioria era candomblecista, como eu, que sou até hoje.

Cartaz do grupo. Imagem: Divulgação

O Adé Dudu teve colaboração de outros grupos? Houve crítica ao unir movimento negro e LGBTQIAP+?

Ermeval da Hora – A gente sofreu muitas críticas. Na rua, a gente costumeiramente escutava a frase “além de preto, bicha”. Na época, para os ativistas do MNU, nós éramos desobedientes. O movimento não dava espaço para a discussão da discriminação dupla que o gay negro passa. A gente teve uma relação ruim com o segmento heteronormativo, algumas pessoas diziam que a gente não podia falar sobre a nossa homossexualidade ao representar o MNU. Mas também havia muita gente que nos apoiava, como a doutora Ana Célia, Lélia González e Luiza Barros. A gente seguiu na luta e hoje as pautas agregam uma à outra. E tínhamos uma boa relação com o Grupo Somos, que iniciou a discussão sobre sexualidade no país, e com o Grupo Gay da Bahia. Antes do Adé Dudu, houve um grupo em São Paulo, o Grupo de Negros Homossexuais (GNH-SP), que também discutia sobre racismo e homofobia, mas que não durou por muito tempo.

Por que o grupo acabou?

Ermeval da Hora – A gente tinha uma dupla militância, os dias eram divididos entre o MNU e o Adé Dudu, então era muito difícil. O grupo acabou no momento que a gente percebeu que a nossa pauta estava sendo aderida e discutida pelo Movimento Negro Unificado. A partir daí, o Adé Dudu foi se esvaziando. Eu vim para a Ilha de Itaparica e o Tosta Passarinho veio logo após. O Wilson Mandela entrou para o Disque Racismo. Não houve uma oficialidade para o encerramento. O grupo foi se esvaziando e cada um tomou um caminho. Eu e Wilson Mandela somos amigos até hoje.