Governo de Mato Grosso quer proibir pesca artesanal por cinco anos no estado
Projeto que tramita na Assembleia Legislativa do MT visa proibir o transporte, armazenamento e comercialização de pescado nos rios do estado; ribeirinhos apontam impactos econômicos e sociais da medida
Projeto que tramita na Assembleia Legislativa do MT visa proibir o transporte, armazenamento e comercialização de pescado nos rios do estado; ribeirinhos apontam impactos econômicos e sociais da medida
Por Maria Vitória Moura
Está tramitando na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) o projeto “Transporte Zero”, que visa proibir o transporte, armazenamento e comercialização de pescado nos rios de Mato Grosso pelos próximos cinco anos. Segundo o projeto, a pesca nos rios da região ficaria restrita à modalidade amadora e esportiva, em que os peixes são fisgados e devolvidos ao rio. Além disso, só seria possível a pesca de subsistência, em que o pescador é autorizado a retirar peixe da água apenas para consumo próprio, em pequena quantidade.
Caso aprovada, a lei passará a valer a partir de 1° de janeiro de 2024, prevendo pagamento de indenização aos pescadores artesanais por três dos cinco anos de proibição, em conjunto com cursos profissionalizantes oferecidos pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania. A medida, segundo seus defensores, tem o objetivo de preservar as espécies nativas das bacias mato-grossenses, como dourado, o pintado e o cachara, permitindo que esses se reproduzam durante os cinco anos de proibição da pesca.
O projeto original foi proposto pelo governador Mauro Mendes (União), tendo sido aprovado em primeira votação na ALMT no dia 02 de junho, com 19 votos favoráveis e 5 contrários. Agora, o texto deve passar por uma segunda votação no dia 28 do mesmo mês e, se aprovado, segue para sanção do governador Mauro Mendes.
Durante a primeira votação, ribeirinhos se organizaram dentro da câmara legislativa para protestar contra o projeto, com cartazes com os dizeres “Cota zero! É desemprego”. Além dos próprios ribeirinhos, principais afetados pela medida, o Ministério da Pesca e Aquicultura também se manifestou contrário ao projeto estadual durante reunião com a comitiva mato-grossense, enfatizando que esse texto vai contra a Lei da Pesca.
O artigo 3º da lei determina:
“Compete ao poder público a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Atividade Pesqueira, conciliando o equilíbrio entre o princípio da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e a obtenção de melhores resultados econômicos e sociais, calculando, autorizando ou estabelecendo, em cada caso”.
Assim, proibir a pesca artesanal, como quer o governo do Mato Grosso, acarreta em danos sociais e econômicos inegáveis, o que significa uma infração à lei federal que regulamenta a pesca no Brasil.
“Imagine se você chegar para os advogados e disser para eles que estão proibidos de advogar nos próximos cinco anos. E que nesse período vão ganhar um auxílio e cursos para mudarem de profissão. Seria um completo absurdo. Fazer isso com os pescadores é, da mesma forma, absurdo”, frisou o secretário nacional de Pesca Artesanal, Cristiano Ramalho.
Outro forte argumento do MPA para contestar a validação do projeto é justamente o impacto ínfimo da pesca artesanal na vida hídrica frente às instalações de hidrelétricas nos rios de Mato Grosso, sendo essas, sim, responsáveis por interferir nos ciclos de reprodução dos peixes, assim como na própria pesca, que está cada vez mais escassa conforme surgem usinas na região.
Segundo estudo da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e das universidades federais do Pará (UFPA) e de Tocantins (UFT), publicado na revista Neotropical Ichthyology em 2021, a operação de usinas hidrelétricas está relacionada à morte de toneladas de peixes nos últimos 10 anos em todo o Brasil.
Os pesquisadores investigaram 251 eventos de mortandade de peixes de água doce registrados em todas as bacias hidrográficas brasileiras e compreenderam que o enchimento do reservatório das usinas, o ligamento e o desligamento de suas turbinas e a abertura e o fechamento das comportas de vertedouros causam mudanças repentinas no ambiente, que tem impactos negativos para os cardumes. Esses fatores afetam a quantidade de oxigênio e de outros elementos na água, além da quantidade de água nos rios, o que pode levar à morte dos peixes.
A Bacia do Alto Paraguai (BAP), formada pelos principais rios mato-grossenses, como Cuiabá, Paraguai e Jauru, já tem 47 hidrelétricas em operação e mais de 130 projetos de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Esses rios, além de atuarem na regulação dos ciclos de cheia e vazante do Pantanal, são a fonte de renda de ribeirinhos que vivem da pesca há gerações.
No ano passado, em meio à um movimento protagonizado por ribeirinhos, a ALMT aprovou um projeto de lei que proibia a construção de usinas em toda a extensão do Rio Cuiabá. No mês seguinte, no entanto, o projeto foi vetado integralmente pelo governador Mauro Mendes, autor do projeto de “Transporte Zero”, demonstrando que os interesses reais dessa medida são mais profundos do que seus defensores querem admitir e está bem longe do zelo pelo meio ambiente e pelas riquezas naturais de Mato Grosso.