Por Rafael Bittencourt

Vivemos numa modernidade sarcástica. Precisamos de horas-homem para fazer trabalhos básicos e exaustivos enquanto temos imagens produzidas por inteligência artificial ganhando prêmios de arte. Reforça a máxima de que a arte é humana? Ou será que só evidencia como estamos numa máquina sistemática de produção de arte que produz a fórmula pronta do best-seller? De qualquer maneira, uma coisa continua inerente ao ser humano: o trabalho. Não importa o quanto avance a tecnologia, não há um cenário possível que nos desvincule das atividades laborais.

Porém, como humanos, algo tão grandioso como a labuta, necessita de significado. Ainda mais quando há uma pré-disposição a atividades que necessitam de sutileza, como atividades criativas, dentre elas, o design. Mas não me entenda mal, eu não digo que precisamos arranjar significado em pequenas tarefas, mas em amplo aspecto, buscar significado em algo que demanda tanto da nossa individualidade é natural. A busca por significado pode ser (aqui tomando o cuidado de não generalizar, mas entendendo que na maioria das vezes é) árdua. No sarcasmo moderno, almejamos grandiosidades sistêmicas enquanto estamos vencendo a pauta com atividades corriqueiras.

Quando eu trabalhava em uma agência de publicidade, não era extraordinário ver pessoas, durante as pausas do almoço, trabalharem em projetos paralelos. Projetos, esses, que sempre (aqui sem o cuidado de generalizar) tinham alguma espécie de responsabilidade social. Tomava-se minimamente um cuidado e projetava-se um impacto positivo. Nem sempre, mas sempre que dava. Já vi nascer editoriais, projetos educacionais e campanhas que geravam reflexões e oportunidades. Mas nunca tinham o market fit ou lugar na pauta.

Reflito sobre quantas ideias se esvaíram. Ou pior: quantas micro revoluções deixaram de acontecer. Eu fui uma dessas pessoas que inventava mil formas de viver outra realidade de impacto social dentro da realidade sarcástica da agência. Retroativamente penso na escalabilidade do impacto que poderia ter tido caso fosse potenciado pelos lugares que trabalhei. Quantas pessoas da periferia eu poderia ter trazido comigo se o gestor da agência abrisse espaço para ouvir essas ideias?

Vivemos numa modernidade sarcástica, mas não me parece que estamos nos divertindo com ela.

Esse texto talvez não seja pra você, que está inserido nesses contextos. Talvez seja para suas lideranças, que efetivamente podem destinar recursos para potencializar esses projetos. Esse texto talvez seja um apelo ao ócio. Abram alas para as iniciativas que já estão sendo criadas nos intervalos laborais. Deixem as pessoas almoçarem em paz, sem ter que pensar em como salvar o mundo, enquanto fazem uma refeição. As ideias já estão aqui, a gente só precisa deixar elas acontecerem. Causar impacto social é coletivo e criativo por natureza, cabe a nós fazê-lo ser uma atividade potente, simples e leve.

Rafael Bittencourt atua como Head of Discovery em projetos de inovação na Round Pegs. Tem uma jornada transversal: começando na periferia de Porto Alegre, passando pela sede da ONU em Nova York, onde exibiu o mini documentário em realidade virtual Cipó de Jabuti, e atualmente tangibiliza projetos disruptivos para grandes empresas nacionais, como Locaweb, Sicredi e Conasems. Acredita que o Design, orientado para inovação social, pode ser um vetor para criação de futuros mais justos e prósperos