Histórias de diversidade e inclusão no mundo corporativo: carreira e desenvolvimento de pessoas em grupos minorizados
Para começar a entender o contexto de desigualdade nas empresas, que tal olharmos para o que crescemos assistindo?
Para começar a entender o contexto de desigualdade nas empresas, que tal olharmos para o que crescemos assistindo?
A análise das novelas brasileiras entre 1994 e 2014 nos dá um panorama deprimente. Apenas 10% dos personagens principais eram negros. Ora, se o espelho da TV fosse verdadeiramente reflexivo, em uma roda de samba com dez pessoas, todas deveriam ser vistas. Mas não é o que acontece. E a nossa valorosa Taís Araújo? Só ganhou um papel de maior visibilidade em 2004 como a primeira protagonista negra em uma telenovela da Rede Globo no horário das 19h, um contraponto em meio a uma melodia que insistia em ser monótona. E a diversidade LGBTQIA+? Demoramos décadas para ver um simples beijo entre dois homens refletido na tela.
Mas então, por que nesse espelho distorcido da TV, nosso samba é tão uniforme? Aonde está esse nosso samba no pé, diverso e ritmado, que vivemos na vida real?
É agora que iremos começar uma verdadeira maratona de porquês, trazendo o que vemos ou não na TV para a realidade do mercado de trabalho, por uma questão de equidade.
É a primeira matéria da série: “Histórias de Diversidade e Inclusão no Universo Corporativo”. E vamos abordar hoje o tema “Carreira e Desenvolvimento de pessoas de grupos minorizados”.
Agora, para isso, preciso que imagine que estamos em um salão de dança, o mercado de trabalho. Nem todos dançam no mesmo ritmo. Alguns grupos minorizados, como a comunidade negra, a LGBTQIA+, pessoas neurodivergentes, PCDs, parecem dançar em uma cadência, enquanto a maioria está em outra.
Essa dança descompassada é reflexo da falta de representatividade também nas empresas. Muitas ainda tropeçam no ritmo desses grupos, especialmente nos cargos de liderança.
Mas, veja bem, há uma diferença crucial entre igualdade e equidade. Se a igualdade é uma coreografia na qual todos dançam os mesmos passos, a equidade ajusta essa coreografia para que todos possam dançar à sua maneira, respeitando suas peculiaridades e dificuldades.
Assim, é chegada a hora de ajustar o ritmo, de dar espaço para cada dançarino brilhar, buscando um salão de dança mais harmonioso. Por isso, vou te apresentar quatro histórias de gente diversa, que está enfrentando obstáculos e encontrando caminhos para mudar o cenário atual. Cada qual com o seu ritmo, sua coreografia, no compasso.
Julia Garim, um ensaio sobre representatividade, identidade e luta
Julia cresceu em meio ao apagão de representatividade na televisão brasileira. Não se via cor, não se via diversidade. Mas foi nesse desafio que ela encontrou na terapia sua harmonia, uma fonte vital de desenvolvimento e um mapa para estabelecer limites saudáveis e se tornar uma grande mentora e desenvolvedora de pessoas e carreiras.
O instrumento que deu o tom na história de Julia foi o mercado de trabalho. A pressão de ser a única mulher negra em diversos espaços profissionais colocou-a à beira da exaustão. Mas não é de silêncio que se faz uma melodia. Essa luta ecoa a de muitos outros, que, como Julia, experimentam todos os dias as notas destoantes de suas capacidades e potenciais.
O Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades no Trabalho nos leva a um baile no qual o compasso salarial toca uma canção de desigualdade em um ritmo amargo: um tango perverso que deixa homens e mulheres negros nos passos mais pesados. A dança se intensifica com a composição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): desemprego, subutilização, informalidade, um baile dominado por 64,2% de pretos ou pardos desocupados, 66,1% subutilizados, 47,3% na informalidade. Um espetáculo de contrastes que grita a exclusão da valsa da riqueza.
E, agravando a sinfonia, os processos judiciais ecoam uma marcha fúnebre, pontuando a dissonância racial em cada estatística. Nesta orquestração social, somos convidados a não apenas ouvir, mas a questionar e, mais importante, a dançar de maneira diferente.
Em suas próprias palavras, Julia diz:
“O pontapé inicial para superar esses desafios, para mim, foi a terapia. Entender que muitas vezes ser a única mulher negra no espaço, ou a única pessoa negra no espaço, traz um peso e que é um peso que eu tenho que me calçar.”.
Julia, hoje é fundadora da Zone Careers, catalisa o autoconhecimento e a criatividade para o crescimento profissional. Ela nutre jovens e profissionais em transição, estabelecendo programas de carreira centrados em equidade. Como consultora, sua voz ressoa contra a desigualdade racial. Ela é do tipo que nunca deixa o samba morrer, sabe?
Priscila Siqueira, a rainha revolucionária que governa o palco da inclusão, a fundadora inovadora da Vale PCD
Esta mulher é a Marquês de Sapucaí da representatividade, cortando a passarela da sociedade com sua bandeira de equidade, cujo ritmo da resistência reverbera nas paredes do conformismo.
Hoje, há muitos rótulos de inclusão e diversidade que empresas tanto amam ostentar em suas vitrines, mas por trás dos panos reproduzem um desfile de atrocidades.
Só que a batucada dos dados está prestes a romper a fantasia das empresas que fingem dançar essa dança.
A coreografia ensaiada pelas corporações, que são palcos de inclusão, bate de frente com a realidade desenhada na pesquisa People at Work 2022: A Global Workforce View. A harmonia aparente do discurso bate de frente com os números, que mostram a dissonância: apenas 37% dos trabalhadores enxergam que pessoas com deficiência estão adequadamente representadas em seus ambientes profissionais. Só para vocês entenderem a cadência, no Brasil, das 701.424 vagas reservadas para PCDs (o que já é um número muito inexpressivo), apenas 53,02% estão ocupadas. Isso é um passo de samba fora do compasso.
E mesmo com a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência marcando o ritmo, estabelecendo que de 2% a 5% das vagas devem ser destinadas à contratação de PCDs, a desarmonia entre o que se fala e o que se faz é um descompasso que ressoa no mercado de trabalho. As empresas parecem mais dispostas a pagar as multas por não preencher as vagas do que a investir na partitura da capacitação e inclusão genuína desses profissionais.
De acordo com o Censo do IBGE (2010), estamos falando de aproximadamente 46 milhões de cidadãos no Brasil e, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de indivíduos em todo o mundo que precisam ser convidados para a roda.
Priscila bate na tecla que a inclusão não se faz com simbolismos ou com o mero cumprimento de cotas, mas sim reconhecendo a importância de cada componente dessa ala. Em sua escola de samba, cada um tem o seu lugar de destaque, cada um tem seu valor reconhecido.
A Vale PCD não é um simples “grito de carnaval”, é a voz potente que se levanta para dizer “basta” à exclusão e ao preconceito. Através de suas várias frentes de atuação, sejam elas a consultoria, o apoio à saúde mental, a orientação profissional, a acessibilidade em eventos, ou a propagação de oportunidades de emprego, Priscila vem com o enredo de que a inclusão precisa ser verdadeira, precisa ser vivida e proporcionada, não apenas discursada.
Em meio a essa maratona, onde empresas continuam a desafinar o samba da inclusão, Priscila faz o solo de tamborim, marcando o ritmo para que todos possam seguir. Ela insiste, e bem, que as empresas devem parar de nos ver como despesas e começar a nos considerar como investimentos.
O futuro da Vale PCD, como descreve nossa rainha de bateria, é como um samba-enredo ainda não totalmente composto, um caminho sinuoso de melodias e contratempos, onde os desafios são tantos quanto as notas de um cavaquinho em pleno desfile. Mas o recado de Priscila está dado!
Elas não vão parar. Elas continuarão lutando, levantando suas vozes, desafiando convenções e mostrando que pessoas com deficiência não são apenas dignas, são imprescindíveis.
Porque, meus queridos, no final das contas, todos nós merecemos desfilar na passarela da vida, respeitados, valorizados e incluídos. É a inclusão, oras, que faz o nosso samba não perder a ginga.
A diversidade é o samba da vida
Imagine-se agora, numa roda de samba. Aqui, cada instrumento tem sua função, seu tom, sua harmonia. Uma surdina não pode querer ser um tamborim, nem vice-versa. Da mesma forma, na dança esplêndida que é a nossa existência, cada um de nós tem sua cadência única, seu compasso inimitável.
Rossandro Klinjey é como o mestre-sala nessa roda. A neurodivergência é seu pavilhão, a bandeira que carrega.
Num mundo que enxerga a neurodivergência como uma nota fora do tom, Rossandro transformou a sua “diferença” em marca registrada, seu refrão inconfundível.
Desde 2017, produz conteúdo em vídeos que logo ganharam enorme alcance e hoje contabilizam mais de 150 milhões de visualizações. Por seu poder de comunicação que traduz a Psicologia para uma linguagem de fácil compreensão, consolidou-se como um fenômeno das redes sociais, presente nas principais plataformas, tendo ultrapassado os 2 milhões de seguidores.
Tem presença constante nos veículos de mídia, é consultor fixo na TV Globo e colunista da rádio CBN Brasil, com coluna O Divã de Todos Nós.
Mas antes disso, ele sambou bonito, heim? Enfrentou adversidades, desafios. Na escola a maioria dos professores não acreditava nele e o descrédito que as pessoas tinham em relação à sua capacidade em se tornar um estudante bem-sucedido acabou afetando sua autoestima profundamente. Sua angústia era de encontrar uma profissão que permitisse sua sobrevivência minimamente.
“Eu sei que você não tem prazer em estudar e não consegue ter o mesmo desempenho que seu irmão, e não precisa fazer como ele, mas você precisa encontrar sua forma de aprender”. Palavras da sua mãe foram essenciais para quem Rossandro é hoje.
E não, não é uma questão de “superar” ou “vencer” a neurodivergência. É uma questão de aprender a dançar com ela, de integrá-la em nossa própria melodia. Assim como um bom sambista não tenta competir com os demais músicos, mas sim harmonizar com eles, devemos aprender a aceitar e valorizar todas as facetas de nossa personalidade, incluindo a neurodivergência.
Rossandro, com sua energia indomável, sua eloquência afiada e seu carisma inegável, demonstra que é possível ser neurodivergente e bem-sucedido. Não, ele não é uma exceção.
Ele é uma prova viva de que a neurodivergência não é um fardo, mas uma oportunidade de enriquecer o samba da vida com uma nova melodia.
Então, vamos parar de tentar encaixar todos em um mesmo molde, vamos parar de estigmatizar a neurodivergência.
Um samba chamado “Diversidade e Inclusão”
Mas não apenas qualquer samba, ele é uma dança cuidadosamente orquestrada por Lucas Araújo, especialista em diversidade e inclusão – um homem negro, formado em jornalismo e versado em múltiplos campos da comunicação – que acredita no poder da estratégia, criatividade, diversidade e inclusão.
E o palco em que ele solta sua melodia? A Blend Edu, uma startup que apoia empresas a colocarem a diversidade em prática e impactarem o futuro, atuando como uma bateria no carnaval de mudanças sociais, estabelecendo o ritmo para a promoção de culturas organizacionais que incluam grupos minorizados.
Há quatro frentes sinfônicas de ação: diagnóstico e consultoria, produtos digitais, estruturação de programas de desenvolvimento – como mentorias, trilhas de desenvolvimento – e conscientização de lideranças e colaboradores.
Mas vamos frear a imaginação por um momento e olhar para a realidade, uma história real da nossa pista de samba. No ano passado, a Blend Edu estruturou um programa de mentoria para uma empresa de varejo e beleza (uma gigante, por sinal). A melodia deste programa foi composta para que as lideranças da empresa orientassem as pessoas de grupos minorizados, um acorde de inclusão ressoando nas paredes corporativas.
No entanto, ao olhar para o mercado como um todo, ações como essa nunca são apenas um mar de rosas. O samba da diversidade e inclusão carrega em sua melodia as nuances dos desafios enfrentados por esses grupos. Culturas não acolhedoras, lideranças não empáticas, vieses inconscientes – esses são os ritmos discordantes que silenciam as vozes de grupos minorizados.
Para harmonizar esses ritmos, construir culturas inclusivas, gerar oportunidades e potencializar carreiras, é preciso muito samba no pé, de pesquisas, estratégias de diversidade, treinamentos e ferramentas para a formação de uma liderança cada vez mais inclusiva.
A violência e o assédio no trabalho afetam mais de uma em cada cinco pessoas, segundo uma pesquisa global realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com a Lloyd’s Register Foundation e o Instituto Gallup. O estudo revela que cerca de 23% das pessoas empregadas já sofreram algum tipo de violência e assédio no local de trabalho, abrangendo formas físicas, psicológicas ou sexuais. Muitas vítimas, em sua maioria pertencentes a grupos minorizados, têm dificuldade em falar sobre o assunto, seja por vergonha, culpa ou medo e falta de confiança nas instituições.
No Brasil, as mulheres são as maiores vítimas de assédio. O mercado de trabalho ainda impõe barreiras à população trans. Dados mostram que o preconceito é percebido de forma distinta: entre as pessoas LGBTQIA+, 75% consideram que o Brasil é um país homofóbico.Já entre as pessoas heterossexuais, essa porcentagem cai para 49%.
Eu sei, você que está lendo essa matéria sabe, o Lucas e a Blend Edu também: nada é apenas uma simples ação. É preciso ter olhares transversais para questões de gênero, raça, deficiência, da comunidade LGBTQIA+ e de outros grupos sub-representados, com uma perspectiva inovadora e uma pegada estratégica na hora de propor seja um programa, uma campanha ou uma estratégia de cultura dentro do universo corporativo.
Afinal, as empresas querem mudar mesmo?
De acordo com Thalita Gelenske, fundadora da Blend Edu, a valorização das mudanças da sociedade e a criação de novas leis inclusivas, como consequência principalmente das lutas dos movimentos sociais, transformaram a diversidade e a inclusão em temáticas fundamentais para todo o mercado corporativo.
“As empresas acompanharam essas transformações e passaram a compreender que essa é uma tendência sem volta. O compromisso com a diversidade garante à empresa não só o fortalecimento de seus valores organizacionais e sociais, como evidencia também que um ambiente inclusivo é mais saudável e propício à inovação e melhores resultados”, pontua.
Esperança de mudanças sólidas é a alma desse samba cantado desde o início da matéria, é o que mantém o ritmo, o que nos faz continuar dançando, mesmo quando os pés doem, mesmo quando o suor escorre pelo rosto. É isso que nos dá propósito e sentido, é isso que nos faz sentir que pertenceremos, já em um futuro próximo, a um local de trabalho saudável, com salários justos, sem discriminação, assédio ou lideranças tóxicas.
Todos os dados e estatísticas contidos neste artigo foram fornecidos pela Blend Edu dentro de suas devidas referências, além de pesquisas proprietárias.