‘Noites Alienígenas’ denuncia o impacto das drogas e do crime na vida de jovens acreanos periféricos
Longa acreano foi o grande vencedor do Festival de Gramado, em 2022
Por Sabrina Ventresqui
O filme “Noites Alienígenas” é um longa-metragem independente do Acre, dirigido por Sérgio de Carvalho e inspirado pelo livro homônimo, também escrito por ele. Teve sua estreia oficial em 30 de março de 2023 e foi consagrado como o grande vencedor do maior festival de Cinema do Brasil, o de Gramado, realizado em agosto de 2022.
Na ocasião, a obra levou cinco troféus Kikito nas categorias: Melhor longa, Melhor longa (júri da crítica); Melhor ator: Gabriel Knoxx; Melhor ator coadjuvante: Chico Diaz; Melhor atriz coadjuvante: Joana Gatis; e uma menção honrosa para Adanilo, intérprete de Paulo.
“Noites Alienígenas” conta a história de jovens da periferia do Acre e como suas vidas foram impactadas pelo tráfico de drogas e facções criminosas vindas da região Sudeste e que tomaram conta do estado.
No filme, conhecemos Riva, interpretado por Gabriel Knoxx, um jovem sonhador, talentoso e com alma de artista. Através de pinturas e da música, expressa suas emoções e tenta escapar da realidade violenta.
O melhor amigo de Riva, é o traficante Alê (Chico Diaz). Mas, ao contrário das grandes organizações criminosas, Alê é diferente. Apesar de sua “profissão”, ele não aparenta ser violento ou colocar o lucro “acima de tudo”. De alguma maneira, ele não enxerga como as drogas afetam a vida de seus clientes. Ele também é um sonhador, um esperançoso. É um anti-herói.
Outro personagem marcante é Paulo, vivido por Adanilo, é um jovem indígena que veio para Rio Branco com sua mãe.
Ele é usuário de drogas e perdeu completamente sua essência e cultura indígena. No começo do filme, ele é atormentado pela figura de uma cobra, que pode ter diversas interpretações a partir de culturas diferentes.
Para alguns, pode ter como significado o renascimento, renovação, sensualidade ou sexualidade, enquanto para outras crenças é interpretado como o símbolo da tentação e do pecado, afinal, para os cristãos, foi a serpente que tentou Adão e Eva a comer o fruto proibido, o que fez com que eles fossem expulsos do paraíso.
Já no filme, o sentido é similar ao do Cristianismo. Segundo o diretor, em entrevista para a Cine NINJA, a cobra está relacionada com a ancestralidade e herança do personagem vinda dos povos originários, contudo, como sua mãe (Marta) se torna religiosa, Paulo passa a enxergar seus ancestrais como uma figura negativa, como o diabo.
Sandra, de Gleici Damasceno, também é ponto-chave em “Noites Alienígenas”. Ela é ex-companheira e tem um filho com Paulo. Além disso, é interesse amoroso de Riva. Está tentando colocar sua vida no lugar, cuidando de seu filho pequeno sozinha. A maternidade solo é um dos temas brevemente trabalhados durante o filme.
Riva e Paulo caminham em direções opostas. Enquanto um retrata a realidade através da arte, o outro escapa com as drogas.
Um ponto interessante, é que o filme mostra justamente os jovens em grupos de música e fazendo competições de rap, onde denunciam problemas como capitalismo exacerbado, desigualdades sociais, pobreza, violência e como isso faz parte da vida de cada um.
A arte aparece como uma forma de resistência e escapismo da realidade violenta, perigosa e tomada pelas drogas e facções criminosas existentes no Acre.
A perspectiva de futuro de cada um dos personagens se molda de acordo com suas realidades e possibilidades. Enquanto alguns têm esperança, outros já a deixaram ir há muito tempo.
Em seus devaneios e com ajuda da família, Paulo finalmente se reencontra com sua essência e doma a peçonha que toma conta de si, ele não mais teme a serpente, agora, ele é parte dela.
Riva, o jovem artista e sonhador, segue o que coração manda e se demonstra preparado para enfrentar as consequências de suas ações.
A mensagem principal da trama é como a vida das pessoas é transformada a partir do contato com as drogas e a criminalidade. Ao contrário de algumas produções recentes, principalmente aquelas voltadas ao público mais jovem, onde há glamourização do uso de substâncias como algo “cool”, em “Noites Alienígenas” isso não acontece. É a realidade nua, crua e voraz.
A produção deixa bem claro o rastro de destruição causado pelo crime organizado e o envolvimento de jovens facções. O final é chocante, porque é real.
O filme também questiona a existência baseada no lucro, na qual as pessoas vivem para trabalhar e não têm tempo de lazer. Cada vez mais a sociedade está à mercê de um sistema, aonde não há tempo para, de fato, viver. Surge a reflexão: “do que se leva dessa vida?”
“Noites Alienígenas” mostra que o cinema brasileiro pode ser tão bom quanto ou até melhor do que um filme estrangeiro. Não é atoa que ganhou tantos prêmios, é porque merece. Tem história, tem atores competentes e tem mensagem.
Menção honrosa à atuação de Chico Diaz, que tem um desempenho fenomenal, ele não só vive Alê, ele se transforma em Alê.