A importância de entender as diferenças culturais do país sede da Copa do Mundo de 2022
Choque cultural de estrangeiros que estarão no Qatar para acompanhar a Copa gera críticas preconceituosas
Por Isabel Côrtes
O mundo inteiro não vê a hora de vestir novamente a camisa e cantar o hino de seu país. Faltando apenas um dia para a abertura da Copa do Mundo de 2022, o país sede da Copa deste ano, Catar, se prepara para receber estrangeiros de vários lugares do mundo. A escolha do país sede foi feita pelo Comitê Executivo da FIFA, em dezembro de 2010, há quase 12 anos. Desde então, diversas críticas e polêmicas envolvendo o país circularam nos jornais e nas redes sociais, desde casos de corrupção a violações dos direitos humanos.
As principais questões levantadas são baseadas principalmente no que diz respeito ao abismo que separa a cultura dos países do oriente e do ocidente. Compreender essa diferença, se informar e se basear em fatos comprovados deveria ser o primeiro passo para poder opinar sobre o Catar e a Copa do Mundo.
Diferença cultural
O Catar é um país árabe, localizado na Ásia Ocidental. Segundo dados da Global Finance de 2022, apesar de ser pequeno em território, o país é atualmente o 4º mais rico do mundo, de acordo com a renda per capita (PIB). Isso se deve, em grande parte, pela exploração de petróleos na região e pela concentração da riqueza pelos sheike. Seu governo é uma monarquia absolutista e constitucional e tem a mesma dinastia no poder desde 1825. Tem população aproximada de 2.9 milhões de habitantes, sendo em média 75% deles estrangeiros. Por ser um país de religião muçulmana, tem como base a cultura islâmica, mais conservadora sob a perspectiva ocidental. Sem eleições parlamentares desde 1970, pode ser considerado uma ditadura monarquista.
Com a chegada de mais estrangeiros para a Copa do Mundo, é necessário compreender algumas diferenças e leis que existem no Catar e podem incomodar o turista, principalmente em clima de Copa do Mundo. Diante dos diversos questionamentos sobre as regras na Copa, o Comitê da Copa do Mundo afirmou que está produzindo um guia para ajudar os torcedores.
Por enquanto, alguns pontos importantes a serem levantados são: proibição do consumo de álcool nas ruas e demonstrações públicas de afeto, considerado ato obsceno de acordo com o Código Penal do Catar; o consumo de álcool ficará restrito aos hotéis, clubes e na Fan Zone (evento da FIFA); o uso de roupas curtas, com joelhos e ombros à mostra, deve ser evitado, assim como decotes e roupas transparentes, mas serão permitidos shorts e bermudas nos estádios; qualquer estrangeiro, independente do gênero, pode entrar no país e nos estádios desacompanhado, sendo necessário apenas solicitar previamente a permissão de entrada no país; turistas devem tomar cuidados com as fotografias, não é permitido fotografar mulheres ou outros moradores sem a autorização prévia.
É importante reforçar que o Comitê também afirmou que até lá algumas mudanças ainda podem acontecer e estão sendo negociadas com o país sede para que os direitos humanos sejam respeitados. Apesar disso, a FIFA afirmou que a cultura local também deve ser respeitada pelos visitantes.
Violação dos Direitos Humanos
Entre as principais críticas, a acusação das violações do Catar contra direitos humanos foi o que pareceu alimentar ainda mais a indignação do público. Entre os pontos levantados estavam as condições de trabalho daqueles que atuaram nas obras da Copa, os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQIAP+.
Desde a divulgação do país árabe como sede da Copa, surgiram diversas denúncias sobre os trabalhadores imigrantes que viviam em condições análogas a escravidão, com pagamentos insuficientes para a sobrevivencia e sem garantia trabalhistas segundo a lei. Não podemos deixar de ressaltar que a exploração trabalhista tem sido prática recorrente da maioria dos países que já sediaram o mundial, mas a indignação pública recaiu com mais peso sobre o Catar.
Em um contexto em que o número de homens é mais que o dobro da população feminina, o tratamento às mulheres na cultura do Catar também vem sendo alvo de críticas, já que elas possuem direitos restritos e precisam de autorização masculina (de seu marido ou empregador) para boa parte das suas atividades.
Um dos principais estranhamentos ocidentais com a cultura islâmica se dá a partir das vestimentas. Uma visão preconceituosa desconsidera a tradição do Islã na qual apenas os rostos e as mãos das mulheres podem estar amostra, com uso de vestimentas longas e que escondem a maior parte do corpo. Entretanto, o entendimento teológico para tanto é valorizar outros atributos, como a inteligência e a oralidade, que não o corpo e também que a modéstia esteja na frente do que você está vestindo.
Talvez o ponto mais abordado é a questão da homossexualidade, ilegal no país e passível a pena de morte. Em uma entrevista exibida no início do mês na televisão alemã, o Embaixador da Copa do Mundo Khalid Salman afirmou que homossexuais serão “tolerados”, “mas eles têm que aceitar nossas regras”, completou ele. O embaixador também se referiu a homossexualidade como “doença mental”. A reação internacional foi imediata, até mesmo capitães de grandes clubes europeus vestiram braçadeiras com as cores do arco-íris e com a frase “One Love” (Um amor).
“Orientalismo”, xenofobia e desinformação
O embate cultural entre ocidente e oriente dificulta ainda mais a compreensão da realidade e a solução para possíveis conflitos. Cegos por um estereótipo do oriente como “exótico” e “violento”, a visão ocidental de países como o Catar, sem nem ao menos compreender o outro lado, muitas vezes, acaba gerando ainda mais caos e desinformação.
Apesar dos que são contrários a escolha do país como sede do maior evento de futebol do mundo, sediar a Copa do Mundo acabou sendo uma forma de trazer visibilidade para os problemas no Qatar. Com a atenção do mundo inteiro agora voltada para o país, a Confederação Sindical Nacional (CSN), confirmou o aumento da fiscalização das leis trabalhistas, assim como questões de saúde e segurança dos trabalhadores. Pressionados por diversos grupos de Direitos Humanos no cenário internacional, o aumento de cobranças por mudanças já surte algum efeito.
Não se trata de apoiar um país que viola direitos humanos, mas saber contestar baseando-se em fatos e estatísticas, informações confiáveis, e não apenas em achismos e percepções de mundo xenofóbicas. O que para o ocidente pode parecer absurdo, para as pessoas do oriente é uma realidade, parte de sua cultura. O estranhamento acontece dos dois lados e existem maneiras muito mais inteligentes de lidar com ele do que simplesmente atacando uma cultura diferente da sua.