Exposição de armas e palestra racista gera protestos de estudantes e professores no Amazonas
Tassos Lycurgo, ex-diretor do Iphan na gestão Bolsonaro, foi um dos palestrantes do encontro, em Tabatinga, no AM
Por Mauro Utida
A 10ª edição do Encontro Internacional de Pesquisa, Ensino e Ciência (EIPECAM) da Universidade do Estado do Amazonas, que aconteceu de 10 a 15 de outubro, no campus de Tabatinga, a mais de mil quilômetros de Manaus, se transformou em palco para difusão de discursos negacionistas, bolsonaristas e anticiência. No evento científico, além desses temas negacionistas e anticientíficos, houve ainda exposição de armas de alto calibre pelo Exército Nacional.
Os participantes convidados pela coordenação do evento difundiram teorias e ideias falsas, fizeram propaganda religiosa, elogios ao atual Governo Federal, e proferiram falas racistas e homofóbicas.
A comunidade acadêmica de diversas universidades da região Norte divulgaram uma carta de repúdio ao encontro realizado na UEA e com a adesão de estudantes, professores e do Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Amazonas (Sind-UEA) se mobilizaram, na sexta (14), em protesto à coordenação geral do evento, o professor concursado Bruno Gomes de Araújo, que fez seu doutorado em Geografia na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Inclusive, um dos palestrantes convidados foi o pastor evangélico Tassos Lycurgo, que se apresenta como professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) que se envolveu em escândalo no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em Brasília, por aparelhar a comissão julgadora de um prêmio concedido pelo Instituto quando era diretor do Departamento de Cooperação e Fomento do Instituto.
Na época, o pastor do Ministério Defesa da Fé, retirou professores com experiência na área e inseriu líderes religiosos, militares e amigos pessoais sem experiência. Entre estas pessoas que entraram na comissão por intermédio do pastor, estava o professor Bruno Gomes, citado acima como coordenador geral do EIPECAM.
“Tudo isso sugere que pode existir uma organização a nível nacional deste grupo para aparelhar as instituições e difundir este tipo de ideia. Precisamos repercutir o que aconteceu no X EIPECAM, pois é uma tendência forte do bolsonarismo”, alerta um professor da UNE que procurou a Mídia NINJA para fazer a denúncia.
Racismo, homofobia e xenofobia
Outro palestrante convidado foi o professor Kelson Mota, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), que participou de diversas mesas do evento com o professor Tassos e Marcelo Fernandes (UFMS).
Com um discurso explicitamente racista, homofóbico, transfóbico, xenofóbico e contra as políticas inclusivas, os convidados palestrantes, participantes da mesa intitulada: “Conservadorismo, progressismo e modernidade: O desenvolvimento tecnológico e sociocultural do Brasil no século XX”.
Nesta mesa realizada na quinta, dia 13, a professora Maria Ivonete Coutinho da Silva, da UFPA (Universidade do Pará), em Altamira, foi convidada a se sentar junto aos palestrantes e se posicionou criticamente durante a palestra, se retirando do ambiente em protesto. “Em resumo, a fala dos professores da UFAM e do pastor enfatizaram que nas universidades não se fazia ciência há mais de 20 anos e que o projeto das universidades tinha sido um fracasso, pois estava formando pesquisadores sem nenhuma capacidade científica, sem condições de fazer boa ciência e que os editais da Caps e CNPq só se dirigia a grupos de minoria, negros, mulheres, LGBT. Também teve críticas a linguagem com viés ideológico e tudo que se produzia tinha como viés comunista”, informou.
“Os poucos convidados não bolsonaristas, repudiaram com veemência as falas dos palestrantes. Inclusive, os docentes que se uniram em um ato contra as falas, foram ameaçados de judicialização, mas não se intimidaram e seguiram adiante em denunciar este evento para que a população conheça a expressão do fascismo e do negacionismo que adentra as nossas universidades carregadas de racismo, elitismo e lgbtfobia”, informou o professor da UEA.
“A comunidade acadêmica, alunos, professores e o sindicato repudiaram as opiniões dos palestrantes que incitaram atos preconceituosos e criminosos que não compactuam com a liberdade democrática e com o pensamento plural da universidade”, declara a carta de repúdio.
“É importante salientar que a programação do evento não passou por consulta ou debate entre os professores do Centro, surpreendendo grande parte do corpo docente ao trazer falas e discussões retrógradas que não refletem o trabalho desta Instituição”, declarou o Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Amazonas (Sind-UEA).
O evento que ocorreu nas dependências do Centro de Ensino Superior de Tabatinga (CESTB), foi financiado por edital pública da FAPEAM (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas).
“O coordenador geral do evento conseguiu verbas públicas para produção deste evento internacional e, sem consultar a Comissão Científica, determinou os temas e convidados das conferências principais. Todos pastores e evangélicos bolsonaristas. Temas como conservadorismo e design inteligente (pseudociência criacionista) foram trabalhados por essas pessoas”, diz um professor da UEA.
Nota da Universidade
Através de nota, a Universidade Estadual do Amazonas declarou que a “X EIPECAM não foi financiado e nem organizado pela Gestão Superior da universidade”.
Para o professor da Universidade, ao argumentar que o evento não foi financiado e nem organizado pela gestão superior, a UEA se omitiu no fato de que todo edital de fomento à pesquisa e divulgação científica só é submetido com anuência da universidade, por meio de um termo assinado pela gestão superior.
A UEA também destacou que “os professores da Universidade têm total autonomia didática, pedagógica e científica para planejar, organizar e executar atividades acadêmicas que contribuam para a formação do diálogo e do direito à livre expressão de pensamento individual e coletivo, respeitando os valores da democracia e, principalmente, das mais diferentes convicções humanas”.
Este argumento também desagradou aos docentes e discentes, pois na opinião deles novamente a UEA se omitiu. “Ela não indicou nenhum movimento de apuração dos fatos e colocou a universidade na esfera do bem-estar e da liberdade de convicções, diferente das diretrizes da universidade pública que visa o pensamento crítico e social e a produção do conhecimento científico. Não há espaço na universidade para pseudociencia e nem liberdade de opressão”, rechaçam.
A comunidade acadêmica diz que a nota da reitoria foi desanimadora e não se surpreende com a postura relativista do reitor André Luiz Nunes Zogahib que apoiou publicamente Bolsonaro nas eleições de 2018.
O Sindicato dos Docentes da Universidade do Estado do Amazonas (Sind-UEA) informou que irá acionar o Ministério Público do Amazonas contra às falas racistas, homofóbicas, xenofóbicas, transfóbicas e contrárias a políticas de inclusão na educação proferidas por palestrantes no X EIPECAM.
“O sindicato dos professores da universidade do Estado repudia tais práticas nos espaços da UEA e salienta a importância de pensar a universidade como espaço democrático e promotora de políticas formação pautadas no respeito às diferenças étnicas, sociais e sexuais”, declarou em nota.