O professor Elton Reis, de Parauapebas (PA) é mais uma vítima das fake news. Ele teve sua vida destroçada por campanha difamatória encabeçada pelo vereador e candidato a deputado federal, Aurélio Ramos de Oliveira Neto, o Aurélio Goiano (PSD). O legislador teve o mandato cassado em outubro do ano passado, por abuso de prorrogativas e quebra de decoro, mas foi reintegrado ao cargo por uma decisão liminar, em março deste ano.

Além de expor o professor repetidas vezes nas redes sociais, ele usou a tribuna da Câmara de Vereadores para apresentar uma Moção de Repúdio, acusando Elton de doutrinar crianças para a ideologia de gênero. Um show de horrores.

“Menino foi gerado para ser homem e menina para ser mulher. Crianças têm que ser orientadas segundo a vontade do seu pai e sua mãe”, disse. A expressão “ideologia de gênero” costuma ser usada de modo pejorativo por conservadores que criticam atividades escolares que debatem questões de gênero e de sexualidade. Para estes, discussões com esse teor vão contra os valores da família.

O candidato tomou como base, um vídeo compartilhado pelo professor, com trechos de palestra na da Escola Municipal Dorothy Stang. Elton desabafou:

“Procurando até agora onde está a ideologia de gênero que eu supostamente fiz? Me atacaram por ser gay não pelo que eu disse”

Aurélio, que anda por aí com um colete com a inscrição “fiscal do povo” tem provocado diversas reações extremistas contra Elton, que incluem ameaças de morte. Por não aguentar a pressão, o prefeito da cidade, Darci Lermen (MDB) ainda o demitiu. O professor está cuidando da mãe no pós-operatório de uma cirurgia para tratar o câncer e dependia muito do salário.

Na véspera da manifestação, o candidato a deputado federal publicou um vídeo convocando a população para ser plateia dele, “Amanhã, vamos debater isso”. Nesse mesmo vídeo, diz que Elton apoia “o governo esquerdista, do kit gay, do banheiro unissex. Do governo esquerdista e comunista que está recrutando seus filhos para o movimento LGBTQIA+ e não sei mais quantas siglas”. Disse ainda que pouco se importava se fosse chamado de homofóbico. “Estou me lixando para sua ‘opção sexual’. Tenho vários amigos homossexuais”.

Ele acusou Elton de querer “destruir famílias”. Que o professor, estaria orientando as crianças “a fazerem o que quiserem”. Na realidade, o professor, que tem uma trajetória de superação, foi um dos protagonistas de uma campanha do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Parauapebas (COMDCAP). No vídeo, que publicou em suas redes, ele motiva as crianças a lutarem por seus direitos, falando da perspectiva de sua vida pessoal.

Elton é de origem pobre, estudou a vida inteira em escola pública e se formou em Geografia pela Universidade Federal do Tocantins (UFTO) e em Administração pelo Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT). Por isso, é tido com um exemplo. Aurélio reclama no mesmo vídeo, que o professor ganha “quase R$ 4 mil”, como se fosse quantia exorbitante para um professor. Enquanto isso, mensalmente o vereador que tem o Ensino Médio completo, ganha R$ 12 mil, segundo o Portal da Transparência do município. Fora a verba indenizatória, é claro. Ao Tribunal Superior Eleitoral, o candidato declarou que tem R$ 774 mil em bens.

Injustiça

É de partir o coração o vídeo que Elton publicou nas redes sociais.

Elton conta que foi convidado para palestrar sobre direitos e deveres das crianças.

“E um pastor evangélico resolveu pegar meu vídeo e associá-lo à famigerada ideologia de gênero. Dizer que eu estava doutrinando e ensinando as crianças a serem LGBTs e todas as fake news que vocês estão acostumados”, desabafou.

Ele tem sofrido todo tipo de perseguição depois que teve sua vida exposta.

“Por um candidato. Única e exclusivamente para ele ganhar votos da militância extremista dele. O que aconteceu comigo foi criminoso. Uma Câmara inteira de vereadores me condenando com base em um áudio [do pastor], sem levar em consideração a minha história”.

E lamentou muito o que a mãe vem enfrentando a seu lado. “Essas pessoas quase mataram a minha mãe”. Ele denuncia que seus dados foram expostos, como RG e CPF. Perdi meu emprego, perdi tudo e nem direito à defesa eu tenho, porque ninguém quer pegar meu caso. Eu fui vítima. Estou tendo que sair da cidade porque estou recebendo ameaças”.

Em vídeo que fez parte da campanha do Comdecap, Elton relata sua trajetória no movimento estudantil e que ter se tornado professor tinha tudo a ver com o que viveu, com o valor que sempre deu à Educação pois ela transformou sua vida. Atualmente estava longe da sala de aula porque atuava no cargo de diretor de Formação e Capacitação Juvenil, da Secretaria Municipal da Juventude. Que foi conquistada, inclusive, também com a força de sua luta.

“Nossa maior rebeldia, quando você é pobre é ser um jovem estudioso”. Nossa solidariedade a Elton.

Cassação

Segundo publicação da Câmara dos Vereadores, Aurélio perdeu o mandato “em razão da prática de conduta incompatível com o decoro parlamentar, nos termos dos artigos 17, inciso II, da Lei Orgânica Municipal; 140, inciso II, da Resolução nº 08/2016, de 15 de dezembro de 2016; e 15, inciso III, da Resolução nº 01/2016, de 26 de abril de 2016”.

Mas uma medida liminar o reintegrou ao cargo. “Porém, o processo judicial que irá definir se houve ou não irregularidades na cassação do parlamentar ainda se encontra em curso. Após a tramitação do processo, será definido, por meio de sentença judicial, se Aurélio Goiano continuará no cargo ou se será afastado em caráter definitivo”, diz matéria no portal da Câmara de Parauapebas.

O vereador, apelidado por críticos de “O Gabriel Monteiro do Pará”, em comparação ao vereador do Rio de Janeiro recentemente cassado, costuma usar as redes para se promover. Segundo os motivos que levaram à sua cassação, aponta o portal da Câmara, pesaram sobre ele denúncias por invasão ao Hospital Geral de Parauapebas durante a pandemia sob o argumento de fiscalizá-lo; por convocar grande aglomeração em plena pandemia do Covid-19, no momento mais crítico no estado e em Parauapebas; por convocar para fechamento das ruas e de ameaçar invasão à residência do prefeito e por ameaça de morte o servidor público municipal João Sérgio Leite Giroux.

Pesam ainda, segundo portal da Câmara, fortes indícios de participação na falsificação de suposta decisão judicial do Tribunal Regional Eleitoral onde consta a assinatura eletrônica falsificada da Presidente do TRE-PA, Desembargadora Luzia Nadja Guimarães. “Bem como a tentativa de manipulação do processo eleitoral democrático municipal de Parauapebas ao tentar tratar sobre a ilegal posse do segundo colocado nas eleições 2020” e por fim, “total desprezo pelas leis municipais”.

Aurélio é bolsonarista de carteirinha e cola sua imagem na de Bolsonaro buscando ser eleito para deputado federal. “Ao lado do nosso presidente Jair Messias Bolsonaro, trabalharei arduamente para trazer melhoria para nossa região e todo o nosso estado”, disse em suas redes.

Conselho se manifesta

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Parauapebas – COMDCAP, se manifestou em nota. Disse, entre outros pontos, que o objetivo da campanha Educativa “Todos Pelos Direitos e Deveres de Crianças e Adolescentes”, era de dar visibilidade e divulgação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

“De forma a sensibilizar a sociedade em geral sobre os seus direitos e deveres, além de proporcionar momentos dinâmicos com oficinas e teatro, trabalhando temas relacionados a proteção à infância, prevenindo possíveis violações de direitos e por fim oportunizar informações e espaços de troca de experiência entre adolescentes quanto suas vivências em família”.

Sobre os discursos de ódio, disse que “quanto às repercussões e entendimentos, negativos ou positivos sobre a divulgação de falas, vídeos ou outros registros não oficiais da campanha, este conselho declara que respeita o direito de liberdade de expressão de todos, porém reitera o objetivo e intuito da referida campanha. À luz da publicidade viral em torno de um vídeo específico, o qual pela publicação de terceiros sugere a chamada ‘ideologia de gênero’, ressaltamos que esta não faz parte do bojo de conteúdo pedagógico desta campanha. Ressalta ainda, que toda a equipe executora zela pela proteção e participação do público alvo, não permitindo arestas para distorções negativas do nosso conteúdo pedagógico, que foi amplamente estudado e aprovado por este conselho, respeitando assim a condição das crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento”.