Grupos bolsonaristas silenciam sobre debate e circulam agenda positiva no WhatsApp
O Farol, da Universidade Federal do Ceará (UFC) e parceiro do Observatório das Eleições, monitorou 149 grupos, dos quais 132 registraram atividade, totalizando 11.478 mensagens
Por Helena Martins e José Maria Monteiro
Grupos de WhatsApp alinhados a Jair Bolsonaro silenciaram sobre o debate entre os candidatos à presidência, realizado na Band, no domingo (28). Confirmando a avaliação negativa expressa por integrantes da campanha à imprensa, bolsonaristas buscaram desviar o foco, intensificando a divulgação de agenda positiva do governo federal. Os dados são do Farol Digital, do curso de Computação da Universidade Federal do Ceará (UFC). O Farol, parceiro do Observatório das Eleições, monitorou 149 grupos, dos quais 132 registraram atividade, totalizando 11.478 mensagens.
A mensagem mais compartilhada foi produzida pela campanha do candidato bolsonarista ao senado no Amazonas, Coronel Menezes, que apareceu em 11 grupos. A segunda trata de uma curiosidade alheia às eleições. A terceira, vista em 6 grupos, apresenta o que seria uma reportagem do portal UOL, com o seguinte texto: “Portal UOL faz enquete sobre vencedor do debate, e Bolsonaro lidera disparado. Com 160 mil votos, Bolsonaro lidera com 76%. Confira!”. O link é do site “Direita Online”. Nele, aparece uma enquete feita pelo UOL no Twitter, portanto não se trata de uma pesquisa oficial como a chamada tenta fazer crer.
Realizações da Marinha do Brasil e construção de estradas e infraestrutura esportiva foram temas de mensagens que circularam em seis grupos cada. Essas mensagens buscam construir uma agenda positiva em torno do presidente. Foram registradas também mensagens contra a Globo e de crítica ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A ausência de palavras negativas é vista na imagem abaixo, que apresenta as mais recorrentes. Lula, por sua vez, tem destaque por aparecer em várias mensagens, ainda que não nas mais frequentes.
Interessante notar que links do sistema de armazenamento do Google, o Google Drive, tiveram presença expressiva. Observando o conteúdo deles, notamos que carregam arquivos de áudio. Em um deles, Lula é chamado de anticristo. Essa pode ser uma forma de espalhar desinformação, evitando a detecção por parte dos sistemas algorítmicos ou mesmo por checadores. Essa possível estratégia merece ser acompanhada.
Houve uma atividade mais intensa dos usuários principais. O mais atuante postou 48 conteúdos, tendo enviado a mesma mensagem para 6 grupos. Os números não nos permitem relacionar essa atividade à de robôs, sendo possíveis para o comportamento humano. Entre 0h de sábado e 11h da segunda-feira (29), 1.501 usuários publicaram nos grupos. Algumas características das mensagens diferem do que vinha sendo registrado nos meses anteriores pelo Farol. 51,47% das mensagens possuíam mídias, como imagens e links. 48,43% possuíam apenas textos. Os textos, por sua vez, são bastante curtos, em geral com cinco palavras. Textos com mais de 20 palavras não trataram do debate. É possível concluir que conteúdos sobre ele apareceram em mídias, como memes, acompanhados de textos curtos e provocativos. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraná, Santa Catarina são os estados que registram mais usuários nesses espaços. O mais ativo, todavia, é do Rio Grande do Sul. Também foi verificado mais números registrados em outros países.
Na semana anterior, predominaram mensagens de ataque
Antes do debate, a dinâmica no WhastApp era outra. Críticas ao Grupo Globo e mensagens associando práticas de corrupção ao ex-presidente Lula foram os conteúdos que mais circularam em grupos de WhatsApp bolsonaristas públicos entre os dias 24 e 25 de agosto, no contexto da entrevista concedida pelo ex-presidente ao Jornal Nacional. Mensagens religiosas e a tentativa de opor Lula ao agronegócio também povoam a conversação nesses espaços.
A mensagem mais recorrente enalteceu o Dia do Soldado, comemorado em 25 de agosto. Ela apareceu em 11 grupos. Depois, duas postagens de candidatos militares no Amazonas tiveram destaque, uma em 11 grupos e outra em nove. A repercussão da entrevista de Lula ao JN começa a aparecer a partir da quarta posição no ranking das mais compartilhadas, tendo sido registrada em nove grupos diferentes. A primeira delas convoca para não assistir a entrevista. Interessante notar que a mensagem sugere que as pessoas acompanhem a sabatina pelo YouTube após o início dela.
A segunda mais frequente sobre a sabatina sugere que a entrevista foi “horário eleitoral gratuito”, indicando que os jornalistas teriam favorecido o petista. O texto chama Lula de “ex-presidiário” e ativa a memória de denúncias de corrupção. Corrupção também é o tema de outra mensagem com bastante alcance que critica os apresentadores do telejornal, que “não descansavam em sua missão de proteger Lula” e que defende a Lava Jato. As demais mensagens seguem o mesmo padrão. Cada mensagem foi vista em, pelo menos, cinco grupos. Os termos mais recorrentes na amostra analisada pelo Farol são mostrados abaixo:
Muitas mensagens (40,91%) usam texto e outras mídias de forma combinada, mas bem menos do que o registrado no último fim de semana. O link mais compartilhado foi o convite para um grupo bolsonarista no Telegram. O segundo, o link de uma petição pública pelo impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moares. O terceiro link mais compartilhado aponta para o podcast Minuto com Deus, do padre Evaristo Debiasi.
1.297 contas enviaram mensagens no período. O usuário com maior número de mensagens, um candidato a deputado estadual, publicou 31 vezes – 17 a menos que o registrado nas mensagens dos últimos dias. Usuários de São Paulo, Bahia, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina e Espírito Santo são os mais presentes na amostra analisada.
O monitoramento de mensagens no WhatsApp, ainda que a partir de um número limitado de grupos, permite visualizarmos o teor da conversação nesses espaços. Comparando os dados do Farol com o do Radar Aos Fatos, plataforma que monitora 180 grupos (não apenas bolsonaristas), notamos o mesmo teor. No Radar, o texto mais compartilhado trata da Globo e de denúncias de corrupção. O conteúdo, que também apareceu na amostra do Farol, seria um e-mail enviado à emissora com críticas sobre o teor “tendencioso” da entrevista.
Em geral, o Radar classificou a qualidade média das mensagens monitoradas em 3,3, em uma escala de 0 a 10. Os principais conteúdos contendo desinformação estavam relacionados a invasões de terra pelo MST, a um suposto processo envolvendo o pai da apresentadora Renata Vasconcelos e a participação de Lula em um ritual umbandista onde teria sido consagrado filho de Xangô.
O que vemos até aqui são mensagens associando práticas de corrupção ao PT e a Lula, bem como tentativas de descredibilizar a imprensa. Um tipo de conteúdo diferente do que aparece em outras redes, nas quais, como temos mostrado no Observatório das Eleições, predominam imagens de humor e que demonstram apoio aos candidatos. A diferença reforça a necessidade de uma análise das diferentes redes para a compreensão das estratégias desenvolvidas neste campo de batalha.
Helena Martins é professora da UFC. Doutora em Comunicação pela UnB, com sanduíche no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). É editora da Revista EPTIC. Coordenadora do Telas – Laboratório de Tecnologia e Políticas da Comunicação e integrante do Obscom / Cepos.
José Maria Monteiro é professor de Computação da Universidade Federal do Ceará, coordenador do Farol Digital
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.