O Oscar como retrato da luta invisível das mulheres no mercado de trabalho
Mulheres ocupavam apenas 28% das indicações da noite, sendo a menor taxa dos últimos 3 anos.
Por Beatriz Almeida
No último domingo aconteceu em Los Angeles a 94ª cerimônia do Oscar, apresentado pela primeira vez por três mulheres, em uma tentativa velada de tornar o evento mais equilibrado no que se refere a igualdade de gênero. A cerimônia não conseguiu manter a proposta, visto que as mulheres ocupavam apenas 28% das indicações da noite, sendo a menor taxa dos últimos 3 anos. O fato evidencia que a luta por igualdade de gênero tem um caminho árduo a ser percorrido, inclusive para as mulheres do audiovisual.
Quando o assunto é Brasil, mulheres representam 51% da população. Contudo, exercendo funções de liderança no mercado audiovisual, como direção e direção de fotografia, ainda é abaixo do desejado. Segundo pesquisa de 2016 realizada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), das pessoas atuando nesses cargos somente 20% e 12%, respectivamente, eram mulheres.
“O Oscar decidiu contratar 3 mulheres para apresentar esse ano porque é mais barato que um homem”
“Eu estou aqui para representar mulheres brancas que se exaltam quando mulheres negras tem opiniões” – Amy Schumer#Oscars2022 #OscarsNaNINJA pic.twitter.com/AMMXmo8fWY
— Cine.ninja (@NinjaCine) March 28, 2022
No último dia 27, a diretora Jane Campion entrou para a história do Oscar sendo a primeira mulher a concorrer pela segunda vez na categoria de melhor direção. Porém, a lista do Oscar de nomeadas nesta categoria é bem polêmica: apenas 8 mulheres contando com Jane Campion foram indicadas em toda história da premiação, e contando com a vitória de 2022, apenas 3 ganharam, ressaltando que, esta foi a 94° edição da cerimônia. A conta simplesmente não fecha.
Em 2018 no Festival de Cannes, 82 mulheres, dentre elas roteiristas, diretoras e atrizes, produtoras manifestaram contra a falta de igualdade de gênero e representatividade por parte da indústria cinematográfica, tendo como foco chamar a atenção para as dificuldades que as mulheres enfrentam na hora de equilibrar e avançar dentro do setor. Já no ano de 2019, a ONU Mulheres Brasil e a Ancine – Agência Nacional do Cinema estabeleceram a Aliança por um Audiovisual 50-50, para fomentar a igualdade de gênero na produção e realização audiovisual no Brasil.
Ainda que iniciativas surjam anualmente para fomentar a equidade dentro da categoria, há muito que ser debatido no que se diz respeito a direito das mulheres. Para além da indústria audiovisual, as mulheres enfrentam diariamente obstáculos que dificultam sua emancipação social e a equidade de gênero, como a sobrecarga nas tarefas domésticas, a pressão pela maternidade, a maternidade solo e falta de oportunidade em altos cargos em diferentes áreas.
Prova disso é o levantamento realizado pelo LinkedIn em 2017, que evidencia que as mulheres ocupavam apenas 25% dos cargos mais altos.
E com a chegada da pandemia em 2020, mais uma vez as mulheres foram as mais afetadas. No Brasil, a Covid-19 impactou a vida profissional de mais da metade das mulheres, deixando-as fora do mercado de trabalho. A pesquisa Nacional por Amostra de domicílios contínua (PNAD), calculada pelo IBGE (instituto Brasileiro de Geografia Estatística) mostrou que 8,5 milhões de mulheres ficaram fora do mercado de trabalho no terceiro trimestre de 2020, em comparação ao mesmo período em 2019, se tornando a menor taxa de participação em 30 anos de mulheres no mercado de trabalho.
Quando retornamos o foco para audiovisual, é notável que as mulheres foram duplamente lesadas – todo o histórico de enfrentamento social na busca de visibilidade somado ao fechamento e paralisação da indústria cinematográfica visto que, o setor cultural foi o primeiro a parar e o último a voltar as atividades por recomendações sanitárias em todo o mundo.
O Oscar deste ano retrata minimamente a luta das mulheres na busca por espaço: com um total de 23 categorias, sendo 21 com possibilidade de abranger ambos os gêneros, apenas 16 delas tinham pelo menos 1 mulher como indicada, e das 23 categorias, apenas 9 delas premiaram mulheres. Com destaque para Jane Campion ganhadora de melhor direção, e para a indicação de Ari Wegner na categoria de melhor direção fotográfica, a mesma foi a 2° mulher na história da premiação.
Esses números nada mais são do que o retrato de uma estrutura social sexista e desigual, e como dizia Simone de Beauvoir: “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida”.
O Oscar precisará de anos para recuperar os impactos causados pela desigualdade de gênero. Só a partir de iniciativas efetivas por parte da indústria privada e políticas sociais com foco em igualdade, somado a debates entre todos grupos sociais, que boa parcela das mulheres poderão de maneira efetiva, justa e igual, trilhar os caminhos da sua vida profissional.
Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA