Thays Berbe se apresenta para a entrevista em um cenário que fornece muitas informações sobre parte de sua trajetória até se tornar uma das roteiristas em ascensão mais requisitadas do país. A nova colaboradora de Cao Hamburger na segunda temporada de ‘As Five’ fala de seu escritório tendo ao fundo livros e um violão. Antes de escrever para Netflix (‘Sintonia’) e HBO (‘Todx Nox’), Berbe compôs e cantou, além de atuar em peças de teatro. “Achava que cantar era o que queria para minha vida, depois atriz, mas eu percebi que queria ser cantora porque compunha rap e funk nas gincanas da escola. Em uma das peças tinha abertura para criar, dar sugestões, já era meio que criação de roteiro, aí”, relembra a paulistana de 36 anos.

Formada em Rádio e Televisão pela Universidade Belas Artes, Thays entrou no processo de seleção da Globo sem saber que estaria na equipe de escritores da bem-sucedida série sobre cinco meninas (Keyla, Ellen, Lica, Tina e Benê) que enfrentam as aventuras e desventuras de serem mulheres jovens descobrindo as possibilidades do mundo. “O convite foi da Globo a partir de um processo de seleção que durou um tempo. Primeiro fiz um cadastro no banco de talentos. Depois de várias etapas falei com Cao, então entrei nesse projeto”, explica a escritora que tinha como principal objetivo roteirizar séries e novelas. “Preferia trabalhar com ficção do que com jornalismo, variedades. A única definição que eu dei era poder escrever, criar”, diz.

Foto: Divulgação / Arquivo pessoal

Ciente da importância de ser uma mulher preta ascendendo no audiovisual brasileiro, terreno ainda pouco afeito à diversidade, Berbe sorri enquanto fala da empreitada. “Eu fiquei feliz por justamente ter oportunidade de trabalhar com coisas que tenho afinidade sendo mulher preta, roteirista, dentro de um projeto bem sucedido, ao mesmo tempo trouxe a sensação de realizar um sonho. Veio um frio na barriga, porque vem uma cobrança maior para que eu esteja preparada para esse processo, essa etapa”, conta.

“As Five” nasceu como um spin off da temporada 25 de ‘Malhação’ (‘Viva a Diferença), que ficou no ar de maio de 2017 a março de 2018 e foi sucesso de público e crítica, conquistando o Emmy Internacional Kids 2018 na categoria Melhor Série. Por identificação pessoal inicial, Thays Berbe ficou encantada com Ellen (personagem vivida por Heslayne Vieira). “Eu fiquei colada na Helen, entendi que a negritude podia tomar uma dimensão maior, tem o lance das relações interraciais. Não é tema principal da série, mas entender até que ponto isso poderia ser explorado, se deveria ou não ser explorada. Ela não tem que pautar questões raciais o tempo todo, mas é uma parte dela, não pode ser ignorada. Em algum momento viria à tona”, explica a roteirista que não quer que a personagem negra do grupo se resuma apenas à cor da sua pele. “Me aproximei da Hellen como uma armadilha artística, pessoal, de se responsabilizar, me identificar com personagens pretos e me descolar disso foi importante para o processo de escrita”, diz.

Ao contrário da produção audiovisual norte-americana que tem oferecido representatividade além dos rostos que vemos em frente às telas, com profissionais negros escrevendo e dirigindo suas história, a produção braslieira ainda engatinha nesse quesito e com isso problemas sérios de representação problemática da comunidade preta na TV e no cinema. “É muito desproporcional ver o que está no ar, coisas que são de autores pretos comparadas ao que é de autores brancos. É muito urgente que tudo passe por um processo de decisões, análise, orçamento e produção com gente preta, mas só veremos isso daqui uns anos”, reflete Thays. “É necessário uma mudança que não seja cosmética, uma ação social pontual ou uma divulgação. Precisamos que as oportunidades sejam efetivas e não apenas um pedido público de desculpas”, aponta.

Foto: Divulgação / Arquivo pessoal

Ter mulheres negras escrevendo histórias evitará que episódios como dos diálogos polêmicos da novela ‘Nos Tempos do Imperador’ ocorram. A depender do talento e dos novos projetos de Thays Berbe, as mulheres negras estarão bem representadas na TV e nas plataformas de streaming.

Poderemos conferir o trabalho de Thays Berbe na segunda temporada de “As Five” no fim de 2022 na Globo Play. As gravações começarão em abril.