Com erros na representação indígena, Mulher Maravilha brasileira estreia no Brasil ao lado da Mulher Maravilha preta
Personagem tem enorme potencial de exploração em sua mitologia
Finalmente chegou ao Brasil as edições de ‘Estado Futuro’, série de HQs da DC Comics que traz versões de seus heróis em futuros alternativos e nos apresenta Yara Flor, a Mulher Maravilha brasileira e traz de volta Núbia, a Mulher Maravilha negra, irmã de Diana, a amazona mais conhecida.
Yara Flor foi criada pela desenhista e roteirista Joëlle Jones, que já trabalhou desenhando heróis consagrados como Batman, Mulher-Gato, Superman e que tem um aclamado trabalho autoral na HQ ‘Lady Killer’. Com esse currículo e o anúncio de uma Mulher Maravilha indígena, brasileira, oriunda da floresta amazônica, os fãs brasileiros criaram bastante expectativa e as edições que finalmente chegaram às bancas não fariam feio se não tivessem a responsabilidade de carregar a riqueza da identidade indígena para o mundo.
A história de ‘Estado Futuro – Mulher Maravilha’ começa com uma narração em que se cita o deus tupi-gurani do trovão, Tupã, e também o deus grego Zeus, mostrando a convivência entre diversas divindades de panteões diferentes naquele mundo. Na batalha inicial, um tom leve é mostrado enquanto Yara Flor é acompanhada por Caipora até o submundo, em busca de outra amazona, sua irmã Potira. Na trama, Caipora, embora seja uma divindade da floresta, é representada como uma criança e evita medir força com a protagonista, o que acaba por ser incômodo a quem busca representação fidedigna dos mitos indígenas.
As grandes editoras têm buscado trazer representatividade para seu universo de super-heróis, numa tentativa de refletir um mundo que clama por diversidade na indústria da cultura pop. A expansão do mito da Mulher Maravilha com base nas origens indígenas é tratada de forma rasa, com citações, mas sem aprofundamento. Por exemplo, mesmo que a proposta narrativa seja um hibridismo dos mitos gregos com os mitos indígenas brasileiros, fica esquisito que o meio de transporte de Yara Flor seja um Pégasu em plena floresta amazônica.
A criadora da personagem chegou a comentar as críticas na época do lançamento nos Estados Unidos: “Fiquei arrasada ao saber que algumas pessoas podem ter ficado ofendidas com o conteúdo. Yara é meio indígena e meio themysciran [de Themyscira] e DC Future State serve apenas para ser um teaser para a série em tempo integral que virá em breve. Nela, a história de Yara será revelada. É terrivelmente frustrante não ser capaz de falar sobre todas as coisas que acontecem antes de DC Future State, mas espero que quando a série for lançada todas as perguntas sejam respondidas”.
Entre os acertos, há a representação de Kuát e Iaê, respectivamente os deuses sol e lua da mitologia do povo amazônica Mamaiu (ou Mamaiuran), que acabam participando de uma aventura divertida com Flor e o Superman Jon Kent.
Os trajes da guerreira brasileira seguem o padrão das encarnações recentes das amazonas da DC, evitando a sexualização histórica de super-heroínas. A arte de Jones é bonita e o roteiro é divertido. Uma passagem da heroína por São Paulo vai lavar a alma daqueles insatisfeitos com os políticos da cidade. Yara Flor é impetuosa e excelente guerreira, e sua aparição deixa a curiosidade para saber como a DC vai desenvolver a personagem e sua mitologia, visto que os fãs brasileiros deixaram suas impressões no perfil do Twitter da editora e da roteirista Joelle Jones, apontando incorreções e acertos na condução desse início de jornada.
A história é divertida e contém cenas de ação muito bem desenhadas e fluídas. Yara Flor pode se tornar um ponto icônico da DC se bem escrita, explorando de forma mais consciente o que seria a identidade profunda de uma mulher indígena brasileira. Recursos a editora tem para isso e não faltam artistas brasileiros na praça.
A guerreira Núbia ganha destaque também em uma história própria dentro do mesmo formato. A irmã de Diana precisa proteger artefatos mágicos de uma ladra, enquanto isso descobre mais proximidade com seus ancestrais do que imaginava. A Princesa Núbia, também conhecida como Mulher Maravilha da Ilha Flutuante, surgiu em janeiro de 1973.
Núbia foi criada por Robert Kanigher e Don Heck, estreando na edição ‘Wonder Woman’ (vol. 1) # 204 (1973) , sendo a primeira heroína negra da DC. Núbia é filha da Rainha Hipólita, de Themyscira (antigamente, Ilha do Paraíso) e irmã da Mulher-Maravilha. Após a saga ‘Crise nas Infinitas Terras’ (1985), Núbia deixou de existir, mas foi reintroduzida no cânone da editora em 1999.
A maior parte dos grandes heróis foi criada por homens brancos que se espelharam em si mesmos na criação dos personagens e por isso é importante que novas narrativas surjam, contemplando as demandas de um mundo tão plural. É desejável que ao abrir uma revista em quadrinhos, uma garota indígena ou negra se enxergue na história contada, tanto estética quanto narrativamente. Erros na abordagem vão acontecer e é preciso que atrás do lápis estejam mais artistas envolvidos intimamente com a cultura retratada.
As edições que chegaram às bancas brasileiras compilam seis números do formato norte-americano em duas edições de 96 páginas cada.