Assunto de centenas de filmes, séries e livros, o holocausto comove enquanto o racismo é normalizado

Todo ano há homenagens em todo mundo pelas vítimas do holocausto, bem como há museus para relembrar o terror ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. A produção literária e cinematográfica sobre o assunto é farta e com certeza ajudaram a fixar no imaginário coletivo que não se deve tolerar e repetir nunca mais o que houve entre 1939 e 1945.

O mesmo poder financeiro para contar sua história não esteve nas mãos dos negros e talvez isso ajude a explicar um pouco a razão do racismo ser tolerado largamente mesmo em países de maioria parda e negra como o Brasil. A comoção quando se mostra corpos judeus sendo amontoados em vídeos de época é visível, mas corpos negros sendo mortos e expostos ano após ano não comove na mesma proporção.

A indústria do entretenimento tem papel fundamental na construção do que é ou não aceitável como forma de violência e preconceito. “Tropa de Elite”, a despeito das intenções dos realizadores, criou uma legião de fãs que viram no Capitão Nascimento o ideal de herói. A mensagem crítica foi deixada de lado e a imagem de um fardado atirando em pobre e torturando crianças virou símbolo da cultura pop brasileira, mas até chegar lá, foram anos de exposição de violência policial como forma de combater o crime em programas “mundo cão”. A TV preparou a adoração ao Capitão antes mesmo de nascer o filme, que apenas reforçou  o que o povo já foi condicionado a tolerar e até idolatrar.

O mesmo acontece com Hollywood que é uma máquina de produzir factoides sobre as motivações heróicas de suas guerras, de suas invasões, do altruísmo de seus soldados. Alguns países conseguem brindar sua população da chuva de influências culturais estrangeiras como é o caso do Japão e da Coréia do Sul, que exportam suas produções e  hoje rivalizam na música e quadrinhos com os norte-americanos ou a China que protege seu cinema e não permite a monopolização yankee em suas salas.

Então os chineses contam sua própria história de resistência contra a opressão japonesa, os norte-americanos sobre sua infindável busca por “liberdade” e os judeus, tendo pele branca, são vistos como iguais em todo o mundo, ganhando toda sorte de apoio (com toda razão), mas os negros, sendo vítimas de um processo de centenas de anos de morte , escravização e apagamento histórico, não tem os mesmos recursos para estarem nos bastidores produzindo suas narrativas. Isso dificulta muito a compreensão por inteiro da violência sistemática sofrida por pretos do mundo inteiro, mas sobretudo em países como o Brasil.

Sem as ferramentas necessárias para estarmos atrás de redações de jornal, câmeras, editoras de livros e quadrinhos, seremos coadjuvantes da piedade alheia em usar nossa dor como entretenimento. Vez ou outra algo de nossa existência vai convir de contar, mas sem jamais mexer com os brios dos corpos brancos que tem poder e liberdade para moldarem o mundo como desejam.