Quantos virais uma pessoa negra precisa para viver da Internet?
Pessoas brancas conseguem apoio de marcas com muito menos tempo e esforço que criadores negros
No meio da polêmica da recusa de compra de vacinas da Pfizer pelo governo de Jair Messias Bolsonaro, o humorista Esse Menino conseguiu acertar no timing da piada com um vídeo viral que o fez pular de 40 mil para mais de um milhão de seguidores. Não há nada errado que um humor satirizando o poder ganhe atenção, é até desejável, mas é um tanto curioso como é muito mais fácil para personalidades brancas conseguirem milhões de seguidores com bem menos esforço do que influenciadores negros.
O head marketing da Trace Brasil, Ad Junior coleciona virais e tem, até o momento 244 mil seguidores, assim como a roteirista Triscila Oliveira que conta com 129 mil seguidores, enquanto seu parceiro na obra “Confinada”, Leandro Assis, um homem branco, tem quase um milhão de seguidores. E aqui nas comparações, não citei influenciadores não negros que produzem conteúdo de gosto, no mínimo, duvidoso, pois a diferença se mostra ainda maior.
Já é sabido que o algoritmo das redes sociais não priorizam e até punem discursos antirracistas, muito presentes nos conteúdos de criadores negros, mesmo os que usam o humor como forma de comunicação, mas o freio no crescimento dessas pessoas não se restringe somente ao número de seguidores. No meio do ano, Triscila teve seu perfil voltado ao feminismo e antirracismo apagado pelo Instagram e perdeu sua única fonte de renda até aquele momento. Ao mesmo tempo blogueiras brancas que promoveram festas e desinformação durante a pandemia, mantiveram seus perfis e ganharam mais seguidores e pior de tudo: com anuência de marcas patrocinadoras.
No caso do Esse Menino, após o viral, ele recebeu diversas propostas de trabalho, patrocínio e até apresentou contrato com o Multishow. Enquanto isso vemos criadores pretos e pretas produzindo virais que são reproduzidos por perfis de grandes personalidades, mas sem que se reverta a patrocínio, de forma que diversos talentos continuam vendendo mão de obra para subempregos dez horas por dia, enquanto os usuários e algoritmo do Instagram junto ás marcas ignoram que indivíduos negros também visam poder trabalhar e viver das redes sociais.
Criadores pretos têm abordado assuntos que vão desde cultura pop (Load Comics, Canal Dona Geek), passando pelo cotidiano de trabalho de mulher negra e feminismo interseccional (Fala com a Mari) e masculinidade negra e racismo (Mauro Baracho). E ainda que viralizem periodicamente, os milhões de seguidores e patrocínio são sempre destinados às pessoas não negras.