Camponeses, afrodescendentes e indígenas são os mais afetados por mudanças climáticas
Liderança do MST disse que não há como debater a crise ou a justiça climática, sem olhar para as crises que o sistema capitalista desenvolve
Graziela Albuquerque, para a Cobertura Colaborativa NINJA na COP26
Destacar o processo de resistência às mudanças climáticas, levando em consideração que elas afetam em maior grau de intensidade as condições de vida dos povos indígenas, comunidades afrodescendentes e camponeses na América Latina e no Caribe. Este foi o tema do painel “Justiça Climática é Justiça Racial”, realizado na Cúpula dos Povos.
A luta por justiça climática se traduz na defesa dos direitos de grupos marginalizados, que são diretamente os mais afetados pelas mudanças climáticas de forma extremamente desigual. Os povos menos responsáveis pelo alto índice de emissões de gases de efeito estufa são os que mais sofrem, e os que têm menos condições de arcar com os altos custos das catástrofes ambientais derivadas das mudanças do clima, por conta disso têm suas vidas diretamente ameaçadas.
Em contrapartida, os países responsáveis pelos maiores índices de emissão, possuem mais recursos e autonomia para arcar com os custos de ações de adaptação e mitigação. Ou seja, os que mais poluem sofrem menos com os impactos negativos, do que os que menos poluem, gerando esse desequilíbrio nas consequências socioambientais.
O prejuízo a grupos vulneráveis é um reflexo do sistema econômico vigente, que negligenciou por décadas os problemas estruturais de um sistema que se importa mais com o lucro, do que com a vida e com a justiça. Um desenvolvimento a qualquer custo, ainda que custe a vida de muitos.
Povo negro
Dario Solano, da Frente Republicana de Afrodescendentes, participou do painel e expôs que a América Latina tem modelo econômico excludente e não sustentável, as mudanças climáticas atingem de maneira profunda e desproporcional os afrodescentes, o que está vinculado ao racismo histórico e estrutural.
Suas vidas, a saúde, a educação e seus meios de subsistência são ameaçados diariamente. Para Dario, a justiça climática deve reconhecer a necessidade de um uso colaborativo dos recursos, e deve estar ligada intrinsecamente às causas sociais, de acordo com o grau de impacto em cada local.
Trabalhadores rurais
Marina Santos, da direção do MST e do coletivo Terra Água da Via Campesina, também participou do encontro e relatou que não tem como debater a crise ou a justiça climática, sem olhar para as crises que o sistema capitalista desenvolve.
A atual crise econômica, social, política e civilizatória, resulta no processo da crise ambiental, ecológica e climática. Para Marina, essa crise é baseada principalmente na disputa de grandes empresas que correm para os bens da natureza como forma de aumentarem seus lucros, com a apropriação de terras, exploração de madeira, extração de minérios, apropriação de sementes, e diversas outros bens da natureza que são colocados a serviço do capital nacional e internacional, garantindo o lucro de poucos proprietários que detêm grandes quantidades de terra.
O Brasil é o segundo país do mundo em concentração de propriedades de terras, 1% dos proprietários detém 46% das terras agricultáveis. As políticas de fortalecimento no agronegócio apropriam ainda mais essas terras, aumentando o desmatamento, a fome e a miséria no país, pois a maioria do uso dessas terras é voltado somente para a exportação de commodities. A consequência é que a violência vem aumentando contra as comunidades camponesas, indígenas e quilombolas que se organizam contra esse sistema.
Quilombolas
Eliseu da Silva, da Comunidade Quilombola do Brasil, localizada em Mato Grosso, denunciou que as comunidades estão sofrendo com o agronegócio, a água contaminada pelos agrotóxicos está alcançando os lençóis freáticos, deixando a população com sérios problemas de saúde.
Indígenas
Para o Cacique Almir Narayamoga Suruí, o papel das florestas amazônicas é de extrema importância para o equilíbrio ambiental e climático, e o Brasil precisa tomar consciência de que tem um papel importante para fazer na contribuição global contra o aumento do clima. Em consonância, o país precisa respeitar o direito de viver de todos os seres humanos, o papel das comunidades indígenas nas tomadas de decisões, precisa ser respeitado.
A equatoriana, Natalia Bonilla, antropóloga da Associação de Antropólogos do Equador e trabalha na Campanha de Defesa das Florestas, denunciou que na parte ocidental do Equador, na província de Esmeralda, território que é habitado por afrodescendentes, se materializou um racismo estrutural, pois o Estado não atende a população que reside ali.
Segundo dados informados pela antropóloga, 84,6% desses habitantes vivem abaixo da linha de pobreza, 15,3% são analfabetos e somente 23% tem acesso a serviços básicos, além do mais esta é a zona com os mais altos índices de mortalidade materna, violência de gênero e gravidez na adolescência.
Natalia denunciou que atualmente os maiores problemas da região são a invasão nas terras para mineração de ouro e plantações de monocultura de palma. A consequência é a forte contaminação do território e rios, afetando a saúde e a segurança da população.
Mercantilização da vida
Pedro Ivo, cientista brasileiro, Membro Da Terrazul, fez uma crítica à COP26, “O acordo de Paris é o mais bem sucedido acordo diplomático da humanidade, mas um grande fracasso de realização concreta”, ou seja, é um acordo que diplomaticamente está perfeito, mas na realidade não conseguiu funcionar pois os efeitos das mudanças climáticas só se agravaram, e os rumos dessa COP estão sendo praticamente os mesmos, mesmo com a urgência da situação atual.
Para o cientista, o problema da crise ambiental, civilizatória e climática, é na sua essência o mesmo do racismo estrutural, machismo, patriarcado, da exclusão dos idosos, conflito de gerações que exclui jovens do processo de transformação e principalmente da mercantilização da vida. “Devemos ter clareza que vamos enfrentar no próximo período uma luta contra a mercantilização da vida”, afirmou Pedro Ivo.
Segundo ele, a mercantilização se dá a partir de soluções aparentemente democráticas que falam que a questão ambiental será superada apenas com mecanismos de mercado, esse caminho é muito perigoso, principalmente para comunidades negras, indígenas e camponeses. Ao transformar tudo em mercadoria deixa-se de priorizar a vida, para priorizar um produto.
É necessário denunciar as falsas soluções apresentadas por governos que enxergam a natureza apenas como um nicho de mercado. Segundo um estudo publicado pela Revista Science, em 2019, plantar árvores é a melhor solução para reduzir o excesso de CO2 na atmosfera, o plantio de 1,2 trilhão de novas mudas seria suficiente para manter o limite de aquecimento global em 1,5°C.
“Seguramente podemos afirmar que o reflorestamento é a solução mais poderosa se quisermos alcançar o limite de 1,5°C”, afirmou à BBC News Brasil o cientista britânico e ecólogo Thomas Crowther, professor do departamento de Ciências do Meio Ambiente do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça.
A @MidiaNinja e a @CasaNinjaAmazonia realizam cobertura especial da COP26. Acompanhe a tag #ninjanacop nas redes!