Outras masculinidades: fantasia e erotismo, com Igor Oliver
Arte. Mistério. Expressão. Auto investigação. E muitos questionamentos a serem desdobrados. Esta poderia ser uma forma de tentar nortear o trabalho desenvolvido por Igor Oliver, o #ArtistaFODA desta semana.
Por Marcelo Mucida / @planetafoda*
Arte. Mistério. Expressão. Auto investigação. E muitos questionamentos a serem desdobrados.
Esta poderia ser uma forma de tentar nortear o trabalho desenvolvido por Igor Oliver.
De Curitiba, o artista visual e ilustrador tem compartilhado em suas redes sociais processos que conectam experiências pessoais, memórias afetivas, com imagens eróticas e uma linguagem de fantasia.
Como ele comenta na entrevista concedida para a seção #ArtistaFOdA, a homoarte que ele apresenta surgiu muito por conta de inquietações que já faziam parte do seu processo de vida, ao se reconhecer como um homem gay. As ilustrações de Igor questionam sobre determinados entendimentos que ainda perduram acerca da masculinidade e apontam para outras possibilidades de existência.
Dos desenhos, ele passou a desenvolver também autorretratos, tornando-se um personagem do mundo que ele mesmo criou.
Confira a seguir a conversa na íntegra.
Para iniciarmos a conversa, acho que pode ser legal você falar um pouco sobre como começou a desenvolver esse trabalho que você compartilha atualmente. Como surgiu isso na sua vida?
Bom, é uma longa história… Esse momento de hoje na minha arte, que é a homoarte, começou a se concretizar mais há uns quatro, cinco anos, quando eu entendi o que estava fazendo.
Antes, eu desenhava por desenhar, sem ter um sentido, de fato. Eu sou autodidata e sempre gostei de praticar o desenho, desde a infância. E eu nunca entrei num curso ou escola de desenho. Hoje tenho a minha formação em licenciatura em artes visuais, mas eu já desenhava bem antes disso.
No final da minha adolescência, foi quando eu comecei a refletir mais sobre o que eu queria entregar para as pessoas e para quem eu gostaria de entregar. Durante todos esses anos, eu sempre fiquei atento às referências que me interessavam, que iam desde animes até músicas, filmes…
Em 2008 – 2009, quando a Lady Gaga ganhou mais visibilidade, foi quando deu um boom para mim. Quando eu vi uma apresentação dela, fiquei pensando que é uma artista que explora uma fantasia, um erotismo, e também tive uma identificação estética com ela. De alguma forma, me senti conectado. E foi quando também eu comecei a trazer um pouco de mim para os meus desenhos, retratando características físicas mesmo, como o tamanho do meu nariz. Depois disso, eu comecei a prestar atenção em outras coisas também, como a moda.
Eu sempre costumo pensar que a arte é feita de experiências, fases. Então hoje eu estou abordando a homoarte. Antes eu não fazia isso e para construir esse processo levou muito tempo também. Eu senti dificuldade de levar o meu trabalho para uma galeria, por exemplo, mas hoje em dia eu penso que eu não preciso estar num espaço determinado para poder mostrar o meu trabalho para as pessoas.
Eu comecei a ficar inquieto com a questão da sexualidade porque eu sempre tive uma configuração de masculinidade dentro da minha casa, principalmente pelo meu pai, e alguma coisa me incomodava ali. Não que eu me incomodasse com a forma deles serem, mas eu percebia que eu não era aquilo. Eu me reconheço como um homem gay, mas a minha masculinidade se dá de uma forma diferente.
Então esse incômodo me fez explorar mais através do desenho, porque o desenho pra mim é uma comunicação. E hoje eu percebo que desde quando eu fazia alguns desenhos na adolescência, já tinha um pouco desse reflexo de querer quebrar um pouco o estereótipo do masculino.
Hoje, o meu trabalho aborda bastante o erotismo, o corpo… Eu trabalho bastante com a figura corporal. Eu levo aspectos da minha fisionomia para o desenho, então acabo me utilizando muito como forma de estudo.
No ano passado, eu comecei a fazer umas experimentações com a fotografia também. São autorretratos em que não uso nada muito elaborado. Eu pensei em transferir um pouco o lado do desenho para um quadro diferente, na foto. E também entendi que dessa forma eu poderia me colocar como um dos personagens que criei. Isso me ajudou a lapidar todo esse contexto de ser um universo imaginário, fantasioso. A foto é um passo a mais para eu experimentar o meu tipo de masculinidade.
Você já fez meio que uma linha do tempo da sua trajetória. Mas quando começou a compartilhar essa pesquisa com outras pessoas?
Eu comecei a estruturar tudo isso no ano passado, no início da pandemia. Eu já produzia os desenhos antes disso, mas nem eu conseguia enxergar o que eu queria passar para outras pessoas, de fato.
Em 2020, eu me vi num momento mais introspectivo e foi quando eu consegui entender melhor e começar a colocar no papel o que eu queria entregar de valor, o que eu entrego de diferente através da ilustração, e então eu fui moldando esse meu jeito de ilustrar e fui criando estratégias visuais para esse objetivo.
Hoje, eu acho que isso já está mais concreto. As pessoas olham para o meu trabalho e conseguem entender sobre o que estou falando. E acho que isso vai muito da comunicação que vai crescendo também. Eu percebi que compartilhar processos de criação, conseguir falar sobre isso, é mostrar mais de você para as pessoas.
Como isso passou a se desenvolver mais durante a pandemia, a internet é a forma que você utiliza para trocar com as pessoas, então?
Sim, hoje eu utilizo a internet mesmo, principalmente o Instagram, que tem sido a forma de estabelecer esse contato. Eu percebo que o Instagram atualmente é uma ferramenta de aproximação das pessoas, mas para o trabalho final mesmo, eu entendo que eu preciso de uma outra plataforma, e por isso estou organizando um site, criando um portfólio.
Eu tenho um perfil no TikTok também, que estou começando a utilizar mais. E é um mundo muito diferente de acesso. Tem muito adolescente lá e eu acho interessante isso, porque eu gosto de receber esse tipo de feedback. Eles não mentem.
E utilizo o Twitter, com uma frequência menor. Eu vejo que cada rede social tem um formato diferente, então no Twitter eu posto até com uma linguagem mais engraçada.
A partir do momento em que você teve essa inspiração para criar dentro da fantasia, você acha que isso é uma forma de poder falar sobre outras possibilidades de existência?
Para mim, é como um alter ego. Não que explorar a sexualidade esteja necessariamente relacionado a um ego, mas eu acho que é um formato confortável que eu encontrei.
Por exemplo, às vezes eu não consigo falar verbalmente sobre a minha sexualidade para um grupo de pessoas. Mas a ilustração e a fotografia têm sido formas para compartilhar mais sobre isso. Eu levo as pessoas para um mundo mais fantasioso e a partir disso eu aproximo elas desse meu manifesto de querer mostrar um masculino diferente.
A escolha da figura do coelho, que está muito presente nos seus trabalhos, tem alguma motivação específica? Por que você chegou nessa imagem?
Tem uma memória afetiva e então são simbolismos estratégicos que eu insiro. Quando eu era pequeno, ganhei um coelho da minha prima que era enorme, e eu o levava para todos os cantos.
Então tem essa memória inicial e o primeiro livro que eu li foi “Alice no País das Maravilhas”, onde também tem um coelho branco. A imagem do coelho foi aparecendo pra mim e eu fui me apoderando dela.
Depois que aconteceu isso, eu comecei a desenhar mais coelhos e fui pesquisar também sobre essa imagem. Eu me apodero desse simbolismo mais atrelado ao erótico, e brinco dentro dessa fantasia de colocar isso junto com uma personalidade minha.
Além do coelho, a Lua também é uma imagem que aparece bastante nos meus trabalhos, e isso tem a ver com essa questão mística, esse mistério, e faz parte dessa fantasia, assim como as araucárias, que remetem a São José dos Pinhais, lugar onde morei durante a minha infância.
E, atualmente, você permanece instigado para seguir com essas experimentações ou já pretende desenvolver outras criações?
Há uns dois meses, eu me vi num momento bem irritado com o meu processo e então comecei a me preparar mais e a estudar essa questão de mercado. Eu entrei num curso de planejamento estratégico e isso está me ajudando muito a ter uma maior noção do todo, de tudo o que quero fazer, falar, organizar…
Nesse momento, eu quero muito levar o meu trabalho para mais nichos, explorando mais a moda, por exemplo, e eu pretendo expor também e chegar até outros estados.
Eu sempre trabalhei muito aqui dentro de Curitiba, então eu quero explorar o mercado de São Paulo e ver que retornos eu terei por lá. Eu também pretendo seguir desenvolvendo a comunicação e promovendo a aproximação de mais pessoas da comunidade LGBTQIAP+.
E quero levar o meu trabalho pro digital, porque atualmente os meus principais materiais de trabalho seguem sendo o papel, o nanquim e o grafite. Não quero abandonar o físico, mas acho que posso explorar muitas outras possibilidades no digital também.
Os trabalhos que o artista desenvolve podem ser conferidos no seu perfil do Instagram @coeioliver e também no TikTok @coeioliver.
Acesse as outras entrevistas que já foram publicadas para esta seção clicando aqui.
*@planetafoda é a página de conteúdos LGBTQIAP+ produzidos pela rede FOdA, da Mídia NINJA, junto a colaboradores em todo o Brasil.