“A arbitragem já entra em campo com receio do que pode acontecer”, diz Renata Ruel sobre árbitro agredido no RS
Partida de futebol é interrompida por agressão ao árbitro no RS. Renata Ruel, árbitra de futebol, comentou sobre o episódio e reafirma a importância de não dar espaço para violência no esporte.
Por Tácio Santos para a NINJA Esporte Clube
Guarani de Venâncio Aires e São Paulo de Rio Grande se enfrentaram pela divisão de acesso do Campeonato Gaúcho na última segunda-feira, mas a partida foi interrompida antes do término do tempo regulamentar. Após Yan Peter marcar o primeiro gol do jogo, para o Guarani, aos 14 minutos do segundo tempo, jogadores do São Paulo fizeram uma série de críticas à arbitragem. Entre eles, William Ribeiro, que era o mais exaltado, recebeu um cartão amarelo por reclamação.
Antes de a bola ser reconduzida ao centro do campo, William deferiu um soco no rosto do árbitro Rodrigo Crivellaro, que caiu ao chão. Com o juiz ainda caído, William chutou sua nuca, deixando-o deitado imóvel no gramado. Ao perceberam que Crivellaro estava desacordado, jogadores de ambas equipes que tentavam conter a agressão pediram desesperadamente por socorro.
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O árbitro recebeu um primeiro atendimento ainda no estádio, e foi levado pela ambulância ao Hospital São Sebastião Mártir de Venâncio Aires. Lá, foi submetido a exames e permaneceu em observação, mas nenhuma alteração clínica foi identificada. Relatos da equipe de apito e bandeira dizem que ele recobrou a consciência ainda à beira do campo, pensando se tratar de um jogo do Guarany de Bagé na região da Campanha; mas em suas próprias palavras, Crivellaro diz não se lembrar de nada do que aconteceu. Deixando o hospital com um colar cervical e em cadeira de rodas, afirmou que pretende retornar ao trabalho. Posteriormente, em entrevista, disse que o agressor precisa de tratamento, e merece ser preso.
Cerca de 20 minutos após a interrupção do jogo, a Brigada Militar apreendeu William Ribeiro no vestiário. Ele foi conduzido à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para fazer exames de corpo de delito, e à Delegacia de Polícia para prestar depoimento, onde teve a prisão em flagrante decretada por tentativa de homicídio doloso qualificado por motivo fútil. Foi, então, encaminhado à Penitenciária Estadual. O atleta ficou em silêncio durante o interrogatório, e foi liberado na noite de terça-feira. A liberdade provisória foi concedida devido à situação de réu primário, e por não oferecer risco ao andamento do processo. Em caso de condenação, a pena pode chegar a 20 anos de prisão. Sua defesa não foi identificada.
Após 30 minutos de bola parada, a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) informou oficialmente que a partida seria interrompida.
Renata Ruel, árbitra de futebol que hoje atua como comentarista dos canais esportivos da Disney, ESPN e Fox Sports, falou com exclusividade para a NINJA Esporte Clube sobre o caso.
“O árbitro é uma pessoa como qualquer outra exercendo sua profissão. Quem nunca cometeu um erro em seu trabalho ou está sujeito a tal? Nada nunca vai justificar uma agressão, um ato de violência. Não é porque um jogador erra um pênalti, um treinador uma substituição, um dirigente uma contratação, um contador uma conta, um motorista um caminho, um cozinheiro um tempero e tantos outros que em função de erro merecem apanhar e sofrer um ato de violência”, disse Ruel.
“A arbitragem já entra em campo com receio do que pode acontecer, pois mesmo antes de começar o jogo já é odiada por todos. O respeito precisa prevalecer sempre e isso que o jogador fez é crime, tem que ser punido como tal”, completou a árbitra.
Em campo, segundo a comentarista, os árbitros sentem risco à sua integridade física devido a uma atuação na profissão. “Na arbitragem se diz que o árbitro que nunca correu risco de apanhar não é árbitro. Olha a que ponto chegamos.”
Renata que já vivenciou diversos momento de machismo em campo, teve um desses episódios amplamente divulgado em 2013, e que retrata muito as violências que não só os profissionais da área em geral sofrem, mas destacando o que sofrem principalmente as mulheres nesta profissão. No ato, o jogador questionou a bandeirinha durante a partida após ela ter marcado o impedimento da equipe do Tupã diante da equipe do Atibaia pela Segunda Divisão do Campeonato Paulista. A cena de intimidação é revoltante e acendeu o debate na época.
Ela ainda completa que, “acontece com a maioria dos árbitros sentem o risco da integridade física. Eu senti em risco uma vez fazendo futebol amador e uma outra fazendo campeonato feminino, pela Federação Paulista, nesses dois não apanhei, mas foi por pouco. Entretanto, o risco é constante.”
“Espero que esse triste episódio tenha sido o limite para que as agressões acabem. Não é a primeira vez que um árbitro é agredido, porém que seja a última. Infelizmente, nas redes sociais é possível ver comentários sobre esse episódio como “mas árbitro merece apanhar mesmo”. Chega de violência, mais amor ao próximo, menos armas, mais livros são frases conhecidas que precisam serem praticadas. Eu acredito que esse episódio aproxime mais os árbitros dos atletas, que com isso todos vejam que os árbitros são pessoas sujeitas a errar, que são humanos, têm família e merece respeito.”
O São Paulo, time centenário, campeão gaúcho de 1933, emitiu a seguinte nota:
“Lamentável. Lamentável e acima de tudo, revoltante.
No exato dia em que toda a família rubro-verde reuniu-se para comemorar mais um aniversário – 113 anos de Sport Club São Paulo -, nosso Clube se deparou com um dos episódios mais tristes de sua história, uma fatídica cena que chocou todas as pessoas que amam não só o futebol gaúcho, mas todas aquelas que simplesmente amam o esporte de modo geral.
Podem ter certeza, lamentamos e nos envergonhamos profundamente de todo o ocorrido, todo nós em absoluto, toda a nossa nação rubro-verde: Direção, torcida, demais jogadores, etc. Pedimos todas as desculpas do mundo ao profissional agredido e sua família, assim como pedimos desculpas ao público, de modo geral, pela cena lamentável vista hoje.
O contrato com o atleta agressor está sumariamente rescindido. Ademais, todas as medidas possíveis e legais em relação ao fato serão tomadas.
Deivid Goulart Pereira
Presidente do Sport Club São Paulo”
O Guarani, que em mais de 90 anos de história, registrou a passagem de nomes como Mano Menezes, Bolívar e Edenílson em seu plantel também emitiu uma nota sobre o caso:
“O Guarani de Venâncio Aires lamenta profundamente o fato ocorrido no jogo contra o São Paulo, válido pela Divisão de Acesso, quando o jogador William Ribeiro agrediu o árbitro Rodrigo Crivelaro. Após o acontecido, o Guarani está prestando todo o apoio para o árbitro, com atendimento imediato de ambulância e médico.
O Guarani de Venâncio Aires despreza quaisquer atos de violência seja dentro ou fora dos gramados. Agora todos torcemos para que a recuperação de Crivelaro seja a mais rápida possível. O clube prestará todo o apoio possível para o árbitro e a família.
O jogo do Guarani contra o São Paulo será retomado amanhã, 5, conforme decisão da Federação Gaúcha de Futebol. Direção do Esporte Clube Guarani.”
A FGF se pronunciou publicamente, e explicou como procederia:
“O jogo entre Guarani e São Paulo, pela 12ª rodada do Gauchão Série A2, suspenso após agressão do jogador William Ribeiro contra o árbitro Rodrigo Crivellaro na segunda-feira (04), será finalizado nesta terça-feira (05), às 15h30, no Estádio Edmundo Feix, de acordo com o Regulamento Geral de Competições da FGF.
A partida prosseguirá a partir dos 14 minutos do segundo tempo, quando houve a paralisação no momento em que árbitro acabou agredido pelo jogador do São Paulo. O Guarani estava vencendo por 1 a 0.
A FGF lamenta a agressão e está prestando todo o atendimento necessário a Crivellaro. O caso será averiguado pelo TJD-RS.”
O tempo restante de jogo foi concluído sem alterações no placar. Com a derrota, o São Paulo fica na quinta colocação do Grupo B, e receberá o Bagé no Aldo Dapuzzo segunda-feira que vem. Já o Guarani, em sexto, será visitante contra o Lajeadense na Arena Alviazul na próxima terça-feira.