Domingo de sol forte, o azul irradia todo o céu contrastando com o ambiente hostil da rua. Pela manhã, houve um incêndio na Praça Princesa Isabel, na região central de São Paulo, atualmente mais conhecida como ‘nova Cracolândia’.

Foto e Texto: Bianca Araujo

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Fotos: Bianca Araújo

A Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) cercaram a Rua Helvétia com a Avenida Rio Branco, esquina da Praça Princesa Isabel, e mantiveram presos os habitantes da Cracolândia.

O governador  Geraldo Alckmin (PSDB), o prefeito João Doria (PSDB), e autoridades ligadas à Assistência Social e à Segurança Pública, estiveram presentes na coletiva de imprensa sobre a intervenção direta do Estado no território dos usuários de drogas. As dúvidas não foram sanadas, nem aos jornalistas e muito menos à população. Logo após, governador, prefeito e outras autoridades seguiram para  seus respectivos “almoços de família”, rotina normal da vida de muitas pessoas, menos daquelas que estão na Cracolândia

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No início da tarde, por volta das 13 horas, o efetivo policial que cercava a rua Helvetia e adjacências, onde estavam os habitantes da nova Cracolândia, saiu em disparada para atender um chamado. Chegando lá, na Rua dos Gusmões, a Polícia Militar informou que uma mini cracolândia, resultado da desastrosa ação do Estado na antiga Cracolândia, há 3 semanas atrás, havia sido desarticulada.

Segundo a Polícia Militar alguns usuários atiraram pedras na viatura. Saldo dessa ligeira operação: uma mulher foi presa e conduzida ao 2 DP.  Do grupo inicial, só restaram os restos dos pertences de cada um no local: em cada esquina, essas pessoas deixam um pouco de si, seja no cachimbo usado ou na roupa ou chinelo que ficam para trás.

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Por volta das 14 horas, o cerco policial que estava na Rua Helvetia começou a liberar os usuários, com a condição de que os mesmos passassem por revista, única forma de sair daquele cerco e retornar à praça. Policiais estavam com luvas cirúrgicas, fiscalizando bolsa por bolsa, corpo por corpo, objetos por objetos. Todos aguardavam com ansiedade pela liberação dos usuários.

Caso alguém portasse objetos cortantes, pilhas, cadeiras, paus e barracas, por exemplo, era impedido de voltar para a Praça Princesa Isabel, pois tais materiais eram vistos como “de alta periculosidade”.

A maior periculosidade, no entanto, é ter fome nesse sistema cão, que condiciona pessoas, em sua maioria negras e periféricas, a estarem na “Disneylândia” dos restos de uma sociedade. Cobrindo seus tristes rostos, com a roupa do corpo, ou algum cobertor, eles passavam pelo paredão de policiais. As famílias de muitos desconhecem a real situação em que encontram seus entes. Ninguém quis ser fotografado ou filmado naquela situação. A imagem é o narcisismo a ser preservado.

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Muitos objetos foram deixados naquele cerco, muitas pessoas só passavam com a roupa do corpo, outros conseguiram ir com o colchão, ou com algumas mudas de roupa. Roupas que talvez, em outros momentos, já tenham acompanhado essas pessoas em ocasiões especiais, ou em tranquilos domingos de sol invernal.

Mesmo com a tensão do cerco à praça, uma cena chamou a atenção de todos. Uma pessoa passou o cerco com um rádio a tiracolo, tocando uma música popularmente conhecida. Exatamente no momento que passou por todos, a estrofe “Dessa casa eu só vou levar meu violão e o nosso cachorro”. A coincidência do refrão fez daquela cena única. Muitos conseguiram levar só o som, e outros saíram dali apenas com o cachorro. Nessa separação, o Estado ficou com tudo.

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