Os reflexos da heteronormatividade na presença discreta de homens gays e bissexuais em Tokyo 2020
A que se deve ausência de gays e bi em alguns esportes como o futebol, o basquete ou o boxe?
Por Dionatan Lemes para cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube
Na primeira semana dos Jogos Olímpicos de Tóquio, um dos jogadores da Seleção Brasileira Masculina de Vôlei ganhou destaque, muito além da Vila Olímpica. Douglas Souza viu sua conta no Instagram atingir a marca de quase 3 milhões de seguidores ainda nos primeiros dias após a cerimônia de abertura.
Além de sua visível desenvoltura diante da câmera do celular, Douglas já se tornou, assim como demais atletas, um importante sinal de representatividade LGBTQIAP+ nestes que são os jogos olímpicos com maior diversidade de toda a história.
No dia 25 de julho deste ano, foi publicado um levantamento realizado pela OutSports sobre a importante representatividade em Tóquio 2020. A página é especializada em dar luz aos números da participação de esportistas da comunidade LGBTQIAP+, em competições, pelo mundo. Num primeiro momento, é importante comemorar algumas informações apresentadas, entre as quais, o montante de atletas da comunidade LGBTQIAP+ participantes desta edição dos jogos. Segundo o artigo, Tóquio ultrapassou a soma de 160 atletas, o que representa o triplo do que tivemos de participações na Rio 2016.
O levantamento ainda informa que este montante de atletas abrange, pelo menos, 30 esportes e 27 países diferente, além da importantíssima presença da primeira atleta trans da história, a neozelandesa Laurel Hubbard. Outro dado interessante é a quantidade de brasileiros nesta listagem, são 14 atletas LGBTQIAP+ defendendo o Brasil em Tóquio, sendo treze mulheres e apenas um homem.
São números importantes, que trazem a esperança de que a efetiva diversidade tenha cada vez mais espaço dentro dos Jogos Olímpicos. Contudo, devemos permanecer atentos aos significados de alguns outros detalhes que podem ser observados nestes quantitativos apresentados pela OutSports, bem como, eventuais reflexos de questões sociais que ainda precisam ser superadas.
A primeira reflexão vai de encontro ao personagem apresentado ainda no começo deste texto, Douglas Souza. O ponteiro da seleção de vôlei, é o único homem cis gay ou bissexual, brasileiro, que figura na lista da OutSports.
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Além desta informação, segundo o levantamento, não é possível identificar a presença de outros homens cis gays ou bissexuais em alguns esportes específicos como o futebol, o basquete ou o boxe.
A primeira análise que podemos fazer neste momento é se, de fato, os números estão refletindo a efetiva participação da comunidade LGBTQIAP+ na disputa. Ou ainda, se eles carregam um forte reflexo da heteronormatividade, que ainda se faz presente em todos os nichos de nossa sociedade.
É fundamental perceber que a visão patriarcal e o machismo estão enraizados em todas as esferas de nossa vida social. Aqui no Brasil, a história do nascimento oficial de nosso país é construída sobre uma colcha de retalhos feita com muitos episódios de machismo e xenofobia.
É uma herança pesada que ainda reflete muito fortemente sobre nossos ombros. Ao desprezar o diferente e desconsiderar o feminino, nossa nação se edificou sobre o sinal de que tudo que remete a essas duas percepções (diferente e feminino) teriam menor valor.
Isto é perceptível na desvalorização da mulher, dos povos indígenas, dos pretos, dos afeminados. Faço esta reflexão olhando de dentro, este autor ponderou por quase três décadas até perceber que poderia viver fora de um armário no qual fora colocado desde criança. Uma sombra que ainda tenta impor o fenótipo do masculino (macho) como forte, idealizável e melhor, o que sabemos ser uma falácia.
A proposta deste texto é provocar uma reflexão, que não deve e não será encerrada aqui, sobre o quanto estes aspectos advindos da dita heteronormatividade, ainda nos manipulam enquanto indivíduos.
Bem como, até que ponto a ausência de homens cisgêneros gays ou bissexuais, em alguns esportes específicos destes jogos olímpicos, podem ser resultado desta visão torpe que pormenoriza o diferente?
Contudo, neste momento, quero encerrar comemorando a expressiva e histórica representatividade que estamos testemunhando em Tóquio. Que momentos como este, possam reverberar nas próximas edições dos Jogos e demais campeonatos desportivos. Cabe a todos nós, permanecermos vigilantes para que esta caminhada pela visibilidade de todos siga com passos firmes.