Quando me tornei mãe, aos 22 anos, tive certeza que tinha vivido para ser mãe da Juju e que todo o resto não fazia o menor sentido. Estava disposta a matar e morrer pela minha filhinha. Para mim, jovem mãe, salvá-la, naquela época, consistia em não deixar ninguém a pegar para que não caísse, evitar que minha mãe e minha sogra deixassem que ela se afogasse na banheira e assim por diante. Não me orgulho disso, mas foi assim. Quando Marquinhos nasceu, mais uma vez, tive a certeza de que tinha nascido para ser mãe dele.

Hoje ser mãe continua sendo parte estruturante da minha identidade. Amo a maternidade, mas sei que é uma parte da mulher que me tornei. Além disso, reconheço os pesos que estão nas nossas costas, nas costas das mães.

Sou uma mãe privilegiada por estar com meu filho e minha filha durante toda a pandemia. Sou mãe de estudantes e meu trabalho como professora na Universidade Federal de Uberlândia me permite trabalhar de forma remota. Assim, temos as condições e escolhemos, seguindo as recomendações científicas, cumprir o isolamento na medida do possível. Continuo disposta a tudo para salvar a vida de meus filhotes.

E foi esse sentimento de defesa da vida da prole que gerou o movimento das Mães Pela Vacina. No início de 2021 – até então, no auge da pandemia, a Prefeitura de Uberlândia autorizou o retorno às aulas presenciais no município. Meu filho, já no final do ensino médio, brigou para voltar. Teve discussão e choro. E eu compreendo. A escola é muito mais do que transmissão de conhecimentos e crianças e adolescentes estão perdendo muito com a pandemia. Todavia eu, como muitas mães, não aceito colocar a vida de meu/minha filho/a em risco.

Assim, fomos à luta. Mães aliadas se organizaram. Foram feitos abaixo assinados, reuniões, carreatas e documentos aos órgãos públicos. Até fomos recebidas pelo Comitê Municipal de Enfrentamento ao Covid-19  que ainda afirmava que o vírus não era perigoso para crianças e adolescentes.

Em contrapartida, nós já alertávamos sobre as variantes e seus riscos, além da possibilidade de estudantes se contaminarem e transmitir para suas famílias, mas não fomos ouvidas. Diante disso, apresentamos uma representação à Defensoria Pública que nos acolheu. E, na falta de resposta do município, ela ingressou com uma ação que foi negada pelo juiz local, mas acolhida pelo TJ-MG com a decisão liminar pela suspensão das aulas no município. E, assim, as aulas presenciais permanecem suspensas, apesar do Comitê e da Prefeitura de Uberlândia.

Essa medida certamente teve papel importante para que a situação dramática da cidade não fosse pior. Afinal, tivemos, semanas depois, falta de leitos, crescimento exponencial do número de mortes e gente morrendo à míngua.

Atualmente nosso movimento cresce com mães e apoiadoras/es de Araguari (MG) e de Patrocínio (MG) já que seus prefeitos também não se importam de colocar a vida da comunidade em risco. Sabe o que eles fizeram nesse mais de um ano para melhorar as condições de ensino e de aprendizagem? Compraram equipamentos para estudantes e para professores/as? Criaram medidas de segurança sanitária nas escolas? Construíram escolas ou reformaram as existentes? O que fizeram com o dinheiro que economizaram do não-funcionamento presencial das escolas? A resposta é: nada.

E o que isso tem a ver com o dia das mães? Parece que a gente está sempre repetindo as mesmas coisas chatas e que somos sempre do contra. Mas com a “coisinha chata” que já matou mais de 414 mil pessoas que está infectando o Brasil e que muita gente nega, inclusive os governos que não tomam as medidas sanitárias adequadas, não tem como a gente ser legal. O que nós queremos é, em primeiro lugar, garantir a vida de nossos filhos e filhas e de nossos familiares. É isso que realmente importa para as mães.

Então, chato é termos um governo genocida na presidência. Chatos são os prefeitos tomarem medidas que promovem aglomerações, deixando morrer especialmente os/as filhos/as da classe trabalhadora que tem menos condições de se protegerem. É chato o governo federal não ter feito as tratativas adequadas para a compra das vacinas e outros insumos para o tratamento dos/as contaminados/as. É muito chato (pra dizer o mínimo).

Se temos que ficar repetindo essas obviedades chatas, é porque tem gente e governos que insistem em negá-las. Insistem em deixar o lucro acima da vida. E mulheres e mães esgotadas pela sobrecarga de trabalho e desgastadas mentalmente é que são apresentadas como as chatas.

Uma reportagem do New York Times de fevereiro de 2021 tratou do esgotamento das mães durante a pandemia. O jornal afirma que, mais que Síndrome de Burnout, o que se trata, neste contexto, é do abandono das mães à própria sorte. Ele diz, inclusive, que abandono é a traição da sociedade por deixá-las nessa situação.

Estamos sendo obrigadas a escolhermos entre coisas que não tem escolhas. Assim como as equipes de saúde não deveriam ter que escolher qual paciente vai ter medicamento ou respirador, as mães também não deveriam ser obrigadas a decidir sobre abrir ou não escolas quando isso coloca em risco a vida de seus/suas filhos/as. As mães periféricas estão tendo que escolher qual filho/a alimentar por ausência de auxílio emergencial minimamente satisfatório. Elas não deviam ter que decidir se filhos/as podem ou não encontrar familiares e amigos/as uma vez que já sabemos que não pode. Tudo isso que pesa para as mulheres e para as mães que, mais uma vez, foram abandonadas nessas tarefas de proteção e cuidados, pelos homens e pelo Estado.

A dureza da pandemia no Brasil é maior pela infeliz coincidência com o governo Bolsonaro. Por isso, nesse dia das mães, não há o que comemorar. Quem tem a sorte de, como eu, ter a mãe viva, deve mimá-la como pode e a distância (já basta as mortes de mães e avós que as festas de fim de ano provocaram).

O Brasil está criando uma legião de órfãos. Não são mais mortes causadas somente pelo vírus, mas também pelas políticas que o fortalece e pelo descuido. Quantos de nós já perderam suas mães na pandemia? Quantas mães já perderam seus filhos/as? Quantos bebês já nasceram órfãos? É absurdamente sem cabimento a flexibilização que governadores e prefeitos fizeram para o comércio abrir e/ou ampliar horários de funcionamento para terem um “bom dia das mães”. Eles não estão nem aí para sua mãe, pense nisso. E, afinal, o que as mães querem? Para responder, deixo as palavras da grande intérprete Maria Bethânia: quero vacina, respeito, verdade e misericórdia.

Vivemos no país com mais perdas de mulheres gestantes e puérperas no mundo. Melânia Amorim, professora da Universidade Federal de Campina Grande e médica da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, diz que isso é resultado de falhas assistenciais de saúde e da condução catastrófica da pandemia pelo governo. Elas estão morrendo por serem mais suscetíveis ao agravamento do quadro quando contaminadas, mas estão morrendo também pela falta de assistência médico-hospitalar, por falta de respirador e pela falta de oferecimento do pré-natal.

Por amor à sua mãe e a todas nós, lute por vacina, por renda emergencial e pelo impeachment de Bolsonaro. Não é uma questão somente política, é também uma questão de sobrevivência e de existência. As políticas genocidas de Bolsonaro produziram quase meio milhão de mortes e ainda não acabou. Todo o resto pode ser refeito, mas as vidas perdidas não voltarão.

Eu insisto: queremos vacina, respeito, verdade e misericórdia. Vamos cuidar das mães. Sobretudo, lembre-se, como disse o grande e querido Paulo Gustavo, que faleceu em 04 de maio de 2021 junto a mais 2.965 pessoas, vamos todos nos cuidar e amar, mas amar na ação.

Por um feliz dia das mães.

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