“Elaborações Sonoras e outros discursos”, com Marta Supernova
Nascida no Rio de Janeiro, o trabalho da artista visual e sonora, DJ, produtora musical e percussionista Marta Supernova é uma busca dentro de suas identidades numa junção de memórias, cogitações, arranjos espirituais e intuitivos, afetos-encontros e celebrações.
Por Amanda Olbel / @planetafoda
Nascida no Rio de Janeiro, em 1994, o trabalho da artista visual e sonora, DJ, produtora musical e percussionista Marta Supernova é uma busca dentro de suas identidades numa junção de memórias, cogitações, arranjos espirituais e intuitivos, afetos-encontros e celebrações.
Formada pelo curso de Cinema na PUC Rio, seu interesse pelo ramo da sétima arte se deu início aos 15 anos, por conta de um desejo muito grande de entender questões relativas ao som: de como se construía, quais eram as ferramentas linguísticas dele, etc. E isso se deu muito em função de seus pais, que sempre incentivaram a se expressar artística e musicalmente, fazendo com que a filha participasse de aulas numa escola de musicais (com sapateado, canto, teatro, circo), sendo essa a maneira que encontraram de auxiliá-la com sua timidez. Quando nova, Marta também tocou como ritmista de repique, caixa e agogô, em algumas escolas de samba como Salgueiro, Imperatriz, Estácio de Sá e algumas escolas mirins, e nos conta que desde os 6 anos não parou de se desenvolver dentro da arte.
Já no universo das artes visuais, foi se adentrando por conta de amizades que estudavam em cursos de Artes na UERJ e UFRJ, abrindo portas para que pudesse acompanhar exposições e, assim, despertar um interesse por mais uma das vertentes no campo expressivo.
“Eu ia nas exposições, e conseguia trocar com eles, pela forma que viam os próprios trabalhos e os apresentavam, assim como interpretavam os meus trabalhos – sempre de uma maneira muito próxima a qual eu havia pensado, e como havia elaborado meus sentimentos durante o processo”
Por conta desses episódios, Supernova ousou a fazer alguns cursos no espaço Despina e a partir de então passou a trabalhar direto com o campo das Artes Visuais. Foi convidada, logo após, por uma professora, a fazer uma exposição coletiva com outras alunas e outros artistas consagrados no MAR – Museu de Arte do Rio, intitulada “ARTE DEMOCRACIA UTOPIA – Quem não luta tá morto”, no ano de 2018.
A artista também teve um relacionamento com uma das idealizadoras do espaço independente Saracura, localizado na Rua Sacadura Cabral, RJ, e nesse meio tempo, por muitas pessoas ao seu redor coexistirem com a arte visual, começou a se identificar com esse mundo, percebendo que seu desejo discursivo, cinematograficamente, tinha muito a ver com o léxico das artes visuais.
Marta então começa a trabalhar essas interseções com a arte contemporânea, a arte sonora do cinema e da arte visual, juntamente à música. Diz se sentir bastante livre nesse escopo de técnica de mídia que trabalha, se autodeclarando uma artista acima de tudo, ganhando assim, estratégias e ferramentas para a construção de sua poética e o desembaraçar de suas inquietações, podendo dessa maneira fazer elaborações de críticas, mantendo seu trabalho nesse lugar político da arte.
“Para mim, meu trabalho hoje está muito ligado a uma possível interpretação de estruturas do mundo. Muito ligado às minhas inquietações quanto a uma mulher LGBTQIAP+, enquanto pessoa negra, latino-americana, e essas identidades micro e macro políticas. Mas não sinto que minhas necessidades enquanto artista se resumem a um conceito específico – acho que estou sempre caminhando por várias possibilidades de elaborações da minha vivência no mundo, e das possibilidades de construção de novos discursos. Tenho trabalhos que têm um teor meio metafisico, mas eu estou falando de racialidade, lesbianidade, de Brasil”.
No campo da música, hoje trabalha mais com a vertente eletrônica e estudos percussivos. Nos revela que no início de sua trajetória como DJ, tentava explorar esse espaço de criação pensando como artista. Marta diz não ter tido muito a cultura da discotecagem – especifica da música eletrônica -, mas que havia em suas raízes a cultura como artista de se expressar e questionar esses espaços, podendo então estar criando uma comunidade, um momento de lazer, uma união de pessoas dentro da pista de dança.
Diz também que, até hoje, quando tem a oportunidade de fazer uma projeção de vídeo junto ao som, tenta construir imagens que tenham uma fruição intelectual ativa, com posicionamento político, de maneira que ainda seja possível ter uma leitura delas, no momento de festa. Sendo um dos trabalhos que realiza há alguns anos com uma amiga, Annica Mar, chamado de “Cinema Para a Pista”, uma das interseções que realiza dentro de seus estudos de arte, através do projeto Pedra Pomes. Um trabalho que se conduz a pensar o cinema fora do espaço da sala escura, e dentro do espaço de uma pista de dança – pensar ele historicamente, com seus ícones, suas potências – juntamente ao vídeo que é feito exclusivamente para o set.
“Escutei recentemente uma frase da Denise Ferreira da Silva, artista visual, de que o trabalho criativo quando se presta a fazer uma crítica de algo, ele tem duas etapas que são de extrema importância: a análise do problema em questão e proposição de uma resolução estética a partir disso. E não necessariamente a resolução como dar conta do problema, mas pela proposta de uma materialidade, dentro da minha interpretação”.
Adiciona ainda à sua fala que todas as suas bagagens técnicas, por gostar muito de estudar as histórias, as linguagens e as possibilidades de programas, (métodos, materiais, equipamentos, etc.) são formas de conseguir fazer melhor o que já intuiu dentro de si. Portanto, trazer a materialidade do seu corpo, é estar tentando filtrar, de ser “um pontinho num monte de retas, estímulos e questões”, e sente que dessa forma se torna mais hábil enquanto artista, profissional, pessoa, namorada, filha, amiga… E lhe traz uma capacidade melhor de se relacionar e comunicar com outras pessoas.
Em seu último trabalho de arte sonora, feito para o festival internacional de música, “ Novas Frequências” em 2020, intitulado de “Redenção dos Unicórnios”, ela traz sua pesquisa de percursão, musicalidade e sonoridade afro brasileira, a qual já vinha trabalhando enquanto DJ e ritmista em escola de samba. Para concretizar isso, criou uma animação em vídeos, expandindo para outras questões históricas e políticas que acercam essa diáspora negra e os conhecimentos que decorrem dela, com a profusão de ritmos que se interligam.
Marta Supernova também participou de uma exposição coletiva pela Rede Nami em 2019, (com coordenação de Panmela Castro e curadoria de Keyna Eleison), intitulada “Sob a Potência da Presença”, realizada no Museu da República.
A exposição consistia de artistas mulheres racializadas, propondo uma construção narrativa que entrasse em conflito com a tradição do espaço, ou seja, que criasse um certo embate com nossa história colonial, extremamente agressiva e violenta que o museu abarca dentro de seu acervo. Dessa forma se apresentavam em contraponto coma a leitura de um Brasil contemporâneo e de corpos das famílias (que são legadas de várias estruturas construídas a partir dessa concepção de republica que eles cunharam), com todos esses símbolos de representação dos opressores, que eram os grandes conquistadores, escravocratas, intelectuais de uma branquitude.
“Achei muito interessante essa escolha da Keyna e da Rede Nami de fazer essa parceria porque senti que era uma oportunidade da nossa narrativa e das nossas potências de discurso, que eram muito múltiplos – por cada artista ter suas formas de materializar seus trabalhos, e por ter histórias e vontades muito distintas, questões elaboradas e sofisticadas. Então fiquei feliz de o Museu da República ter sido ousado de alguma forma, por permitir e proporcionar essa possibilidade de tratar da República que Brasil é hoje e das dissonâncias desses motes que eles têm de cuidar e armazenar esse acervo.”
Acrescenta ainda que é uma forma muito inteligente e perspicaz do museu se contemporaniezar e de dar espaço para pensar, quem são as pessoas que estão trazendo discursos intelectuais e analisando esses espaços hoje, a partir de vivências múltiplas. Manifesta também que essa exposição teve uma potência de diálogo, assim como de radicalização de alguns discursos, algo de muita importância para a sobrevida dele enquanto um museu que se dialoga com o Brasil do Presente e não só do Passado, com uma leitura desse passado que nem sempre foi feita e nem sempre foi possível, mas que agora está conseguindo ser compartilhada com outras pessoas.
Durante a pandemia, Marta diz ter se dedicado muito a estudar sobre produção musical, e apesar de já ter produzido umas peças sonoras, lançou sua primeira música ano passado para uma campanha da cerveja Beck’s, chamada “Supernova Daze Haze”. Agora está no processo de elaborar um álbum que será lançando em breve e também fazendo um EP com músicas experimentais, refletindo um pouco sobre esse momento de pandemia. Também revela estar elaborando um filme curta-metragem de animação com a namorada e atriz Bruna Linzmeyer, assim como outros projetos relativos ao desenho e à pintura.
Marta Supernova compartilha fotos e informações de seu trabalho através de seu perfil no Instagram @martasupernova. Para ficar por dentro dos próximos entrevistados ao #ArtistaFOdA, siga nossa página @planetafoda, publicados todas as quinta-feiras.