O Mitomaníaco e os efeitos eleitorais da Pós-Falsidade
Alguns acreditam que uma mentira repetida várias vezes se torna verdade. Jair Bolsonaro é devoto dessa teoria.
Alguns acreditam que uma mentira repetida várias vezes se torna verdade. Jair Bolsonaro é devoto dessa teoria. Viciado em mentir, não se constrange ao negar a realidade, mesmo quando os fatos estão escancarados. Bom exemplo disso foi a negação de que teria chamado a pandemia da Covid-19 – a mais séria e letal desde 1918 – de “Gripezinha”. Em live, chegou a sugerir que não existe áudio ou vídeo em que tenha proferido tão perigosas declarações.
O Capitão Bunda Suja mal tinha fechado seu bueiro verbal quando os jornais em todo o país deram ampla publicidade aos registros, indícios, fontes, documentos (…) de que ele, de fato, tratou com desdém, descaso e desprezo uma doença que deixa a marca de mais de 170 mil mortos. Número que poderia ser evitado caso políticas públicas fossem adotadas com racionalidade, coordenação e projeto. Contudo, a única atuação na área da saúde ao longo de toda sua vida pública, foi a aprovação da lei (inconstitucional) em apoio a um medicamento sem comprovação científica, a milagrosa “Pílula do Câncer”, mais uma das fakenews que usou para angariar seu rebanho não vacinado contra idiotices.
Mentir é o Modus Operandi, o costume, o hábito, o vício incurável de Jair Bolsonaro.
Quanto a isso, a história é implacável: não há mentira repetida o suficiente para ocultar eternamente um fato. A angústia que nos persegue, é que essa justiça histórica por vezes pode demorar anos, décadas, séculos ou milênios. Mas o amortecedor temporal que a história oferece em alguns casos, não é um berço esplêndido em que Bolsonaro poderá se deitar e a prova disso foi o resultado eleitoral de 2020.
De 72 candidatos que usaram o sobrenome “Bolsonaro” para atrair votos, apenas seu filho Carlos conseguiu se eleger, até mesmo sua ex-esposa foi rechaçada nas urnas, outro sinal de implosão do projeto dinástico de Jair. Carlos, outrora vereador mais votado em sua cidade, perdeu cerca de 30 mil votos e ficou em segundo lugar. Marcelo Crivella, o candidato a prefeito que se escorou no bolsonarismo sofreu derrota avassaladora. Em São Paulo, Bruno Covas encontrou profunda dificuldade para vencer Guilherme Boulos, semelhante ao que ocorreu em Porto Alegre, em que Manuela D’Ávila, superando ataques criminosos, alcançou 45% dos votos.
Diante os resultados das urnas o grande derrotado foi Bolsonaro. Não apenas por seus aliados não se elegeram, mas também pelo crescimento das esquerdas e a visibilidade das propostas que colocam no centro da política as necessidades dos mais vulneráveis. Ainda que os principais candidatos da frente de esquerda não tenham vencido, as disputas se concentraram, majoritariamente, entre o “Centrão” e a Esquerda.
No entanto, a milícia instalada no Planalto não deixa de ser um perigo real para 2022. Dois anos de necropolítica foram suficientes para o povo começar a perceber que o engodo ideológico vomitado aos quatro ventos por Bolsonaro não constitui ferramentas eficientes para o desenvolvimento do país, menos ainda para garantir bem-estar social e a cada dia aumenta a recusa por respostas patéticas para problemas severos que enfrentamos.
Se por um lado o império das fakenews foi a alavanca de votos em 2018, por outro, se mostraram insuficientes para fortalecer a hegemonia eleitoral pretendida pela direita brasileira em 2020. Se o vasto uso da pós-verdade foi importante para acirrar os ânimos contra o Partido dos Trabalhadores, o seu par de oposição imediato, a pós-falsidade é o elemento chave para construir uma resposta contundente contra um modelo político que privilegia o andar de cima, sacrificando os que estão embaixo.
Estarrecidos, muitos hoje observam as declarações presidenciais e questionam a capacidade (às vezes a sanidade) do mandatário e de sua equipe de governo. O negacionismo tem encontrado barreiras para fixar seus dogmas, e isso é um efeito que podemos atribuir à pós-falsidade. Antes, o ceticismo absoluto contra políticos produziu ambiente adequado para utilização de qualquer relativismo como estratégia de campanha eleitoral. Em dois anos o cenário mudou e aquilo que um dia foi crença fervorosa em qualquer discurso negacionista, hoje começa a ser enxergado como equívoco desconcertante ao votar, o que motiva ponderação.
A rápida mudança no comportamento eleitoral tem muitas causas, entre elas destaco duas: 1- o amadurecimento das esquerdas, ao perceber que o cenário político é profundamente antidemocrático e que a única esperança de governabilidade, para qualquer projeto que priorize o povo, reside no amplo apoio popular, e isso fez com que os mais diversos partidos (PC do B, PT, PSOL, UP…) voltassem suas atenções às bases; e 2- o apelo à moral para consolidar campanhas eleitorais é uma ferramenta eficaz, porém, se o favorecido não corresponde, minimamente às expectativas do eleitorado, toda estratégia pode desmoronar rapidamente.
O que sustenta Bolsonaro na presidência e sua pretensão à reeleição em 2022 não é sua capacidade de mover massas e angariar apoio em torno de sua imagem, e sim sua política ultraliberal, de desmonte do Estado, de entrega das riquezas nacionais, abraçada pelo Congresso Nacional, em especial pelo “Centrão”. É evidente que esse modelo irá empurrar mais alguns milhões para a miséria. O desemprego chega a quase 15% e o dólar a quase 6 reais impede o consumo das famílias. A propaganda que oferece como receita a retirada de direitos sociais, não consegue mais convencer o povo de que ele é o culpado de sua própria miséria, e alguém terá que arcar com o custo político disso.
Quando uma gripe tem potencial para matar milhões, políticas públicas devem ser executadas para evitar as mortes. Se antes essa afirmação foi divulgada como especulação e o uso da pós-verdade conseguiu relativizar a ciência, hoje a pós-falsidade impõe severa crítica ao negacionismo. Derrotar Jair Bolsonaro é uma tarefa que exige dedicação e não pode ficar para amanhã. As eleições de 2020 demonstraram o caminho: a formação política nasce de experiências práticas e diálogos diretos. O povo quer ser protagonista de sua própria história e ouvir as demandas populares é fundamental para construir o futuro.
A militância progressista precisa reafirmar seus valores e compromissos, propondo mudanças substanciais, lutando contra as mentiras e mostrando ao eleitorado que a derrocada da experiência petista se deu por abrir mão de uma política mais à esquerda! Novas lideranças estão surgindo junto com novas esperanças, mais sensíveis e ocupando o lugar de escutador, assim a confiança é construída, com apelo à verdade e priorizando o fortalecimento do poder popular.