E a galera do quadrado preto vai votar como?
Avanço da reorganização ultraliberal da economia baseado política de morte impõe tarefa a quem se declara antirracista: reconhecer e eliminar privilégios
Avanço da reorganização ultraliberal da economia baseado política de morte impõe tarefa a quem se declara antirracista: reconhecer e eliminar privilégios
Por Simone Nascimento*
2020 é um ano marcado por manifestações antirracistas em todo mundo que foram transmitidas em tempo real nas redes sociais. A hashtag do movimento Black Lives Matter se tornou uma forma de acompanhar os protestos que começaram nos EUA após a Morte de George Floyd e se espalharam pelo mundo. No entanto, em junho deste ano uma ação iniciada com setores da Indústria Musical promoveu o #blackouttuesday, que consistia em postar um quadrado preto em suas redes sociais e a partir disso choveram lamentos de pessoas não negras que promoveram uma enxurrada de publicações no Instagram em todo o mundo com um quadrado preto utilizando também as hashtags #blacklivesmatter. O uso da hashtag do BLM causou um verdadeiro apagão nas imagens e denúncias dos atos de rua contra violência policial e assim a campanha foi críticada por movimentos negros por invisibilizar postagens e muita gente não reconheceu seu lugar de privilégio – incluindo aquele que garante acesso à internet em muito maior escala do que as populações negras conseguem atingir – e como a ação que inundou a rede de mensagens vazias usurpou a representatividade de um movimento que se coloca na linha de frente de enfrentamentos para salvar vidas de pessoas-alvo do genocídio.
Agora, no próximo dia 15, as pessoas que participaram da rede de publicações de quadrados pretos vazios podem mostrar que reavaliaram seu lugar na luta antirracista e atuar efetivamente para mudar uma distorção histórica na política brasileira. Nesta eleição, essas pessoas têm a chance de dar seu voto para pessoas negras que concorrem a cargos nos legislativos municipais com um programa de enfrentamento à lógica racista que estrutura esses espaços de poder e decisão. Um chance de dizer não a invisibilização de corpos negros e reagir a violência racial nas urnas!
O Brasil elegeu em 2016 39,9% de vereadores autodeclarados negros (pretos e pardos). Muitos desses, no entanto, negam as pautas defendidas pelos movimentos sociais negros ou as atacam diretamente. Caso do edil paulistano que tentou extinguir o feriado da Consciência Negra (20 de novembro) e combate a política de cotas raciais em universidades e concursos públicos conquistada com anos de luta contra o racismo estrutural e institucional na capital paulista.
A Câmara Municipal de São Paulo tem apenas 18,5% de pardos e pretos entre seus membros. Nunca nos 460 anos de existência do Legislativo Paulistano uma mulher jovem, negra e periférica foi eleita. A primeira mulher negra vereadora na cidade foi Theodosina Ribero, em 1969, pelo MDB. Hoje não há nenhuma mulher autodeclarada negra entre os legisladores no Palácio Anchieta.
Se você quer mesmo atuar contra o racismo é importante compreender o seu papel, mesmo não sendo negra ou negro, para a superação desse abismo racial. Conheça, divulgue e vote em candidaturas negras comprometidas com a luta contra o racismo e o genocídio da população negra, que defendam as políticas historicamente reivindicadas pelas organizações antirracistas para enfrentar as desigualdades que estruturam a sociedade brasileira, que compreendam que a hierarquização imposta no Brasil às mulheres negras se refletem na precarização da vida de todas e todos os trabalhadores desse país. A economia nacional desde sempre cresceu sobre a superexploração de homens e mulheres negros e negras, e isso moldou todas as relações e instituições nacionais. É hora de mudar essa realidade, colocar a periferia no centro das decisões, as mulheres negras e a juventude consciente da necessidade do anticapitalismo nos espaços de poder. E essa tarefa também é sua!
Simone Nascimento é jornalista, formada pela PUC-SP via Prouni. Jovem negra, moradora de Pirituba, quebrada de São Paulo, está candidata a vereadora pelo PSOL. Ajudou a fundar o movimento RUA – Juventude Anticapitalista e faz parte da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU) em São Paulo.
A colunista Isa Penna cederá o espaço de sua coluna na Mídia NINJA a Simone Nascimento nas próximas duas semanas.