Audiotransvisual: A Hora do Banho, de Cenobitch Monroe
Crítica do curta-metragem feito a partir de exibição no Festival Audiotransvisual
Por Tiê Fontoura
Caminho para o banheiro…é a hora do banho…deixo cair a água quente…de relance, vejo a imagem refletida no espelho. Que corpo é esse? É alto? Baixo? Branco? Preto? Magro? Gordo? É homem?…Mulher?…Ao longo da história humana, e da formação das sociedades, fomos condicionados a pensar o mundo de forma dicotômica…binária…De forma cirúrgica, matemática, fria, fomos catalogando os seres humanos em pares opostos e complementares…Homem/Mulher, XY/XX, Pênis/Vagina…No afã de padronizar e categorizar todas as coisas, nos esquecemos de que nós, humanos, escapamos e muito dos conceitos científicos, e das regras que nós mesmos estipulamos para sermos aceitos como sujeitos sociais.
Lançamos, assim, para as brumas da invisibilidade todos aqueles que, ao se olharem no espelho, não se reconhecem enquadrados nos moldes das construções sociais vigentes. Corpos represados, corpos abusados, corpos vilipendiados, corpos violados, corpos pressionados, corpos estigmatizados, corpos…Em O Segundo Sexo, a pensadora existencialista Simone de Beauvoir nos aponta que: “Ninguém nasce mulher; torna-se mulher”…Suas palavras nos esclarecem que, apesar da constituição biológica do ser humano, ser homem ou ser mulher não é uma construção implicitamente natural, mas, para além disso, uma elaboração social, uma condição produzida pelas sociedades e culturas que acordaram ações, padrões e comportamentos infringidos a essas figuras. Ser homem ou ser mulher é algo performático, uma persona que vestimos para interagir com os outros…e com nós mesmos.
A Hora do Banho, da artista audiovisual e performer, Cenobitch Monroe, traz para a tela o grito de mulheres e homens trans, indivíduos não binários, bigêneros, agêneros e todos os outros sujeitos que não reconhecem seus corpos enquadrados nas expectativas performáticas estabelecidas pela sociedade. Monroe rasga corpo, mente e tela…rasga o espectador. Cruéis reflexões…A espuma do xampu cai em meus olhos…eles ardem…eu os fecho. Tenho medo de tornar a abri-los…e ver novamente meu corpo refletido no espelho.
Tiê Fontoura escreveu esta crítica em colaboração ao FOdA Fora do Armário, editoria LGBT+ da Mídia NINJA, a partir da exibição do filme no Festival AudioTransVisual