120 mil mortes e as ruas lotadas. Por que normalizamos a morte?
Batemos 120 mil mortos vítimas da COVID-19 sob clima de (falsa) normalidade. Notícias sobre as praias lotadas no fim de semana estarrecem os mais lúcidos, que se questionam, como podem eles e a que se deve tamanha derrota civilizatória?
Batemos 120 mil mortos vítimas da COVID-19 sob clima de (falsa) normalidade. Notícias sobre as praias lotadas no fim de semana estarrecem os mais lúcidos, que se questionam, como podem eles e a que se deve tamanha derrota civilizatória?
Teimo em pensar que as respostas têm raízes históricas e profundas, vêm do colonialismo a que nos submeteram, e que encontrou na escravidão, e depois no capitalismo, seus auspícios mais caros. É preciso sempre lembrar que Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. Que seus filhos mestiços são frutos de um processo sistêmico de estupros, primeiro da mulher indígena, depois da mulher negra à Mãe Terra.
Convivemos com as atrocidades deste período por séculos, e como bem fundamenta Jessé de Souza, a escravidão é o que define a sociedade brasileira. Infelizmente. O que significa que aprendemos a conviver com a violência, com a morte e com a exploração, assim, de forma naturalizada. Não só isso, aprendemos a sentir ódio. Ódio ao escravo, à mulher, ao indígena, ao pobre. Ódio ao preto. E se forem eles os destinados às covas de nossos cemitérios, que assim seja.
Por isso convivemos tão bem com a violência, seja ela constatada pelo número de mulheres assassinadas vítimas de feminicídio, somos o 5º no mundo; seja ela apresentada através do número de estupro – a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil, sendo 53% dos casos meninas de até 13 anos; ou ainda com os números de assassinato de pessoas trans e LGBTs, estamos no topo em todo mundo; ou com a sexta posição no ranking de cidades mais violentas.
Não surpreende, assim, estarmos em 2º lugar, ao caminho do topo, no ranking de mortes decorrentes da COVID-19. São cerca de 800 a mais de 1 mil óbitos diários, num cenário subnotificado, sem reação popular empática e adequada. Pelo contrário, vimos em pesquisas recentes o aumento da aprovação do governo genocida de Bolsonaro graças, sobretudo, aos efeitos do auxílio emergencial tomado a duras penas por nós, cidadãs e cidadãos, que somados à força da oposição e do Congresso Nacional, fomos lá e arrancamos essa conquista.
Sabemos, no entanto, que Bolsonaro é a febre e não a doença. E que a resiliência é e sempre será uma reação daqueles que se importam. Ao longo da história apagada ou distorcidamente registrada, somos também o país que tem forjado direitos sob a dor e o sangue daqueles que lutam. De Zumbi, Dandara aos heróis recentes. E não conquistamos pouco. Além disso, temos o maior movimento social do mundo, o MST; temos o movimento indígena que se especializou em resistir; temos movimentos sociais dos mais diversos, que resistem e assim seguirão futuro afora. O fogo forja o aço, como diriam os mais sábios. Seguir nossa marcha resignada pela vida é tarefa civilizatória daqueles que se mantêm lúcidos.