Movimentos pressionam pela execução do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
Os movimentos reivindicam, pelo menos, 1 bilhão de reais até o final de 2020, pressionam por maior velocidade na contratação dos projetos.
Revisão: Viviane Brochardt
No final de abril, a Medida Provisória nº 957/2020 destinou R$ 500 milhões ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Os movimentos reivindicam, pelo menos, 1 bilhão de reais até o final de 2020, pressionam por maior velocidade na contratação dos projetos.
De acordo com o estudo “O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): instrumento de dinamismo econômico, combate à pobreza e promoção da segurança alimentar e nutricional em tempos de Covid-19”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a destinação de 1 bilhão de reais atenderia 208 mil agricultores e agricultoras familiares que forneceriam 420 mil toneladas de alimentos. Mostrou também haver, nos anos de 2011 e 2012, auge da execução do programa, um percentual maior de crescimento do PIB nos municípios que acessaram o PAA em relação aos que não acessaram. O aumento médio de crescimento do PIB foi de 1,51%, para 2011, e 1,88%, para 2012.
Para a antropóloga Maria Emília Pacheco, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o PAA promove justiça a quem produz comida de verdade e conserva a biodiversidade. O anúncio deste aporte emergencial é, no entanto, uma vitória “pequena, parcial e insuficiente” pois uma parte considerável deste recurso já está comprometida pela paralisação do programa nos anos anteriores.
“Além de lenta, a decisão do governo é duplamente insuficiente, pois nem corresponde ao montante de recursos para alavancar efetivamente o PAA e nem incluiu os ajustes necessários para responder às demandas contidas na campanha dos movimentos. A proposta do aporte emergencial, de R$ 1 bilhão para esse ano e a meta de R$ 3 bilhões para o próximo ano (2021), rapidamente ecoou no país com a adesão de cerca de novecentas organizações e movimentos sociais do campo e da cidade”, afirmou.
No ano de 2012 o PAA atingiu o ápice do seu funcionamento chegando a quase R$ 1,2 bilhões (valores corrigidos pela inflação), com atendimento a 180 mil agricultores e agricultoras, incluindo 1.652 famílias de comunidades quilombolas; 1.058 de famílias agroextrativistas; 754 famílias de povos indígenas e 2.362 de famílias de pescadores artesanais. Só a Conab executou entorno de R$ 840 milhões naquele ano, de acordo com as informações fornecidas pelo órgão.
Ao realizar uma rápida retrospectiva, Maria Emília destacou a fundamental e inédita inserção dos povos indígenas no PAA, de modo a garantir renda e conservação de alimentos locais. No entanto, a partir de 2013, a modalidade de formação de estoque com pagamento em produto foi extinta, prejudicando não só os indígenas, mas também os extrativistas e camponeses. A luta das mulheres se traduziu na conquista da Resolução nº 44 do Grupo Gestor do PAA, que assegura um mínimo de 5% da dotação orçamentária para organizações de mulheres e 45% mulheres participantes como produtoras fornecedoras do PAA. Esta resolução precisa ser aplicada, segundo a antropóloga.
“A retomada do PAA, não apenas na emergência, mas como um programa estruturante, é uma questão de justiça social. As avaliações mostram resultados favoráveis para a vida das agricultoras e agricultores com a diversificação dos sistemas produtivos, conservação e manejo da biodiversidade e a valorização dos alimentos regionais, garantindo renda e melhores condições de autoconsumo; impulsiona a transição da agricultura convencional para agroecológica; dinamiza os circuitos curtos de mercado com repercussão positiva nas economias locais; expande o tecido associativo e a participação das mulheres, dentre vários outros benefícios”, concluiu.
Os recursos extraordinários para o PAA serão utilizados para a execução de três das seis modalidades do Programa, cada uma delas com seu fluxo e cronograma. Após mais de uma semana em contato, o Ministério da Cidadania não informou em que estágio está a execução dos projetos destinados à modalidade PAA Leite (R$ 130 milhões) e PAA Estados e Municípios (R$ 150 milhões). De acordo com os dados do Portal Transparência, os projetos de 2019 desta última modalidade estão sendo executados em 100 municípios.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é responsável, através da modalidade Doação Simultânea, pela execução dos R$ 220 milhões restantes. De acordo com a superintendente de Suporte à Agricultura Familiar da Conab, Kelma Cruz, as contratações de 2020 foram divididas em duas etapas. A primeira atendeu os projetos recebidos em 2019, que ainda não tinham sido pagos por falta de recursos, contabilizando uma demanda de R$ 113 milhões, de 1026 projetos. Destes, foram pagos até o dia 28 de julho R$ 11,5 milhões em treze estados, enquanto os outros R$ R$ 81,5 milhões foram descentralizados para as superintendências regionais da Conab e esperam os procedimentos finais de contratação para finalização dos pagamentos.
“Na segunda etapa recebemos a demanda de R$ 203,5 milhões, 1528 projetos. Estamos finalizando o ranqueamento, pois serão pagos os mais bem colocados nesse ranking, a partir de critérios definidos pelo Grupo Gestor do PAA (…) Vamos executar os R$ 220 milhões e, caso haja alguma disponibilidade extra de recursos, temos projetos em carteira. Nesse caso, é só seguir o ranking e pagar até o limite dos recursos”, afirmou a gestora. Os movimentos cobram a liberação imediata de R$ 100 milhões para contemplar os projetos apresentados à Conab na última chamada pública. No ano de 2019, a Companhia operou, por meio do PAA modalidade Compra com Doação Simultânea, 337 projetos, atendendo 4.792 agricultores familiares, com aproximadamente 12 mil toneladas de alimentos. Ao todo foram disponibilizados R$ 32,3 milhões pela Companhia, dos R$ 285 milhões totais destinados ao Programa.
PL 735 Emergencial para Agricultura Familiar
Após uma articulação intensa dos movimentos com os parlamentares no Congresso Nacional, o PL 735/2020 foi aprovado no Senado Federal e aguarda a sanção e regulamentação da presidência da República. Existe o indicativo da aplicação de um PAA Emergencial, mas até o momento não há nenhuma sinalização do montante de recursos. Embora tenha sido uma vitória no Congresso, há a preocupação dos movimentos populares do campo com a morosidade do governo federal em efetivar as medidas.
Em estudo recente, o prof. Mauro DelGrossi, da Universidade Brasília, analisou os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, e constatou que 50% dos agricultores familiares tiveram redução da renda durante a pandemia. A perda de renda é estimada em 30%. Neste contexto, o professor na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Sílvio Porto, que foi diretor de Política Agrícola e Informações da Conab, ressalta a necessidade de agilidade nos procedimentos. Para ele, os próprios dados da Conab mostram uma morosidade pelo formato atual do Programa.
“O PAA seria o grande instrumento, mas não só os recursos são insuficientes como a própria execução está sendo de uma forma inadequada. Propusemos que fosse feito em outro formato, para viabilizar e facilitar que esse processo de compra e distribuição dos alimentos fosse realizado com a maior celeridade possível, atendendo os preceitos legais. Seria até possível fazer uma flexibilização, por conta do decreto de calamidade pública que vivemos no país. O PAA é uma grande política que viabiliza a compra da agricultura familiar de um lado e de outro as pessoas em insegurança alimentar”, esclareceu.
O histórico do PAA
Instituído no âmbito do Programa Fome Zero, em 2 de julho de 2003, o PAA é a principal política defendida pelos movimentos sociais e entidades da sociedade civil no combate à fome. Após algumas alterações, desde 2011 é regido pela Lei nº 12.512 e regulamentado pelo Decreto nº 7.775, de 2012. O Programa é executado por estados e municípios em parceria com o Ministério da Cidadania, de onde vem seus recursos, e pela Conab.
É através do PAA que agricultores, cooperativas e associações garantem a venda dos seus produtos para órgãos públicos. Promove o acesso à alimentação de qualidade e incentiva a produção da agricultura familiar. Os alimentos são comprados pelo Estado diretamente da agricultura familiar e destinados às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, à rede socioassistencial, aos equipamentos públicos e à rede pública de alimentos.
O Programa pode ser acessado por meio de seis modalidades: Compra com Doação Simultânea, Compra Direta, Apoio à Formação de Estoques, Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite, Aquisição de Sementes e Compra Institucional. Esta última, por exemplo, abastece por meio de chamadas públicas os hospitais públicos, quartéis, presídios, restaurantes universitários, creches e escolas, entre outros.
Alguns dos benefícios oferecidos pelo Programa são: constituição de estoques públicos de alimentos da agricultura familiar, fortalecimento dos circuitos locais e regionais e de redes de comercialização, valorização da biodiversidade e da produção orgânica e agroecológica, incentivo de hábitos alimentares saudáveis e do cooperativismo e associativismo.
Experiências agroecológicas nos territórios
O trabalho realizado pela Cooperativa Agrícola Santo Anjo (Copergesa), em Três Cachoeiras (RS), é um dos exemplos de compra e doação de alimentos agroecológicos pelo PAA. Tudo iniciou em 2003 por três agricultores na região e acabou desencadeando o processo coletivo que culminou na consolidação da Copergesa, em 2013, que hoje conta com mais de 100 sócios. Desde 2016, vem realizando projetos no PAA e tem verificado uma drástica redução nos recursos disponibilizado e muitas dificuldades devido à crise no país. O projeto contempla 37 agricultores, sendo 15 mulheres, e entrega bananas à unidade recebedora do Mesa Brasil, do Sesc-RS, que contempla 274 entidades com mais de 43 mil pessoas.
Com a situação de pandemia, segundo Renato Leal, de 55 anos, presidente da Cooperativa, foram liberados pela Conab os R$ 289.080,00 pleiteados pelo projeto com o objetivo de remunerar o excedente de produção dos agricultores da Cooperativa. A entidade recebedora tem sido de vital importância, já que as pessoas necessitadas só vêm aumentando por causa da pandemia.
“O PAA incentiva a agricultura local e nossas atividades rurais, bem como complementa, com bananas orgânicas, o rol de alimentos disponibilizados pela Mesa Brasil às entidades atendidas. Entregamos 132.000 kg de bananas orgânicas, devidamente certificadas pela Rede Ecovida – uma certificação participativa. São 3000 kg semanais, quantidade considerada adequada pela unidade recebedora, tendo em vista o número de pessoas atendidas, a disponibilidade de pessoal pela entidade, bem como a perecibilidade da fruta”, afirmou.
A Rede Ecovida atende mais de 4 mil famílias agricultoras certificadas, informais ou organizadas em associações e cooperativas, cerca de 25 ONGs e seis mercados em parceria com grupos de consumidores. De acordo com Laércio Meirelles, coordenador do Centro Ecológico e integrante da coordenação da Rede, o PAA é imprescindível para popularizar e democratizar o consumo de alimentos produzidos com compromisso social e ambiental.
“O Programa aponta para resolver um problema emergencial, a fome, através de uma ação estruturante de irrigar comunidades rurais com recursos e remunera de forma justa a produção familiar. Os poucos recursos financeiros disponibilizados e as crescentes exigências burocráticas afastam o Programa do seu objetivo inicial de conectar quem mais precisa vender com quem mais precisa acessar os alimentos. Temos que inverter a curva e ter cada vez mais recursos disponíveis e regras mais acessíveis”, observou.