Você se importa com o saneamento básico?
E pode ser óbvio para muita gente, mas sempre é bom lembrar que todos nós pagamos tarifa pelo serviço de saneamento no Brasil, mas a questão que quero botar luz nesse texto é o quanto nos importamos com o saneamento básico em nosso país, na nossa cidade, vila ou comunidade.
Sancionado pela presidência, o polêmico projeto que foi aprovado pela grande maioria do senado e da câmara, o novo marco do saneamento básico passa a valer para todo Brasil. No entanto, vale relembrar que o Brasil já era signatário da agenda 2030 da ONU, desde 2015, quando se comprometeu a garantir água potável e saneamento básico para todos até 2030 e também já tínhamos o PLANSAB (Plano Nacional de Saneamento Básico) desde 2014 com a meta de universalização do saneamento até 2033.
Estou nos relembrando isso para dizer que não precisávamos de um novo marco para dizer que é urgente universalizar o saneamento básico no Brasil porque, em primeira instância, essa ausência deste serviço essencial é uma violação de direito humano básico sendo que quase metade dos brasileiros, 104 milhões de pessoas, não têm acesso a coleta de esgoto.
A questão mais polêmica do marco é que a nova lei abre possibilidades para as prefeituras realizarem licitação convocando empresas públicas e privadas, o que muitas pessoas têm chamado de “privatização da água”. Água é um bem público e facilitar a entrada das empresas privadas no setor pode não ser o melhor caminho. Muitas cidades que fizeram isso ao redor do mundo reestatizaram o serviço, como Paris, Berlin e Buenos Aires . No entanto, vale acalmar os corações e dizer que, mesmo antes desse novo marco, nosso serviço de saneamento já era feito por empresas privadas em algumas cidades, como é o caso de Niterói. Atualmente, 6% do serviço de saneamento no Brasil é feito por empresas privadas. Algumas prestam um bom serviço e ocupam um lugar de destaque no ranking de saneamento, outras cobram mais caro a tarifa deste serviço.
E pode ser óbvio para muita gente, mas sempre é bom lembrar que todos nós pagamos tarifa pelo serviço de saneamento no Brasil, mas a questão que quero botar luz nesse texto é o quanto nos importamos com o saneamento básico em nosso país, na nossa cidade, vila ou comunidade. Lutamos contra o machismo, contra o racismo estrutural, pedimos por educação, saúde, hospitais, estradas asfaltadas, quantos estão lutando contra a violação deste direito? Coloco essa reflexão não para de forma alguma deslegitimar todas as outras causas, mas para nos lembrar que enquanto realmente não cobrarmos o poder público e colocarmos o saneamento como prioridade, talvez leve no mínimo mais 40 anos para alcançarmos a universalização. Já foi comprovado que os cariocas tomaram banho em casa com água com coliformes fecais no início deste ano, paulistanos passam por racionamento de água atualmente e os goianos correm o risco de viver a maior crise hídrica de sua história em 2020. Isso sem falar dos rios que recebem diariamente toneladas de esgoto e estão secando, matando sua fauna e sem eles, vamos morrer.
Por que não nos importamos tanto com essa causa? Existem muitas organizações e projetos que têm lutado pela água e se você conhecer algum conte para a gente. Com a sanção presidencial, a luta está apenas começando e vamos ter que fazer muita pressão enquanto usuários para garantir que as metas sejam cumpridas, que a tarifa não aumente e principalmente, que a gente receba um serviço digno. Segundo o promotor Daniel Martini, o novo marco não consultou o suficientemente a população antes de ser aprovado e quando realizou uma consulta pública, um terço da população foi contra a nova lei, muito pelo receio da lógica capitalista da busca pelo lucro acima de tudo e do serviço ser corrompido pela ganância.
Outro ponto que chamou a atenção de muitos especialistas no novo marco foi que em nenhum momento foi mencionado nenhuma tecnologia natural para o saneamento. Você sabia, por exemplo, que podemos tratar o esgoto de forma natural com bambu?
De acordo com o professor Rogério Almeida, coordenador geral da Rede Bambu Goiás, com este método natural, o custo para o tratamento dos resíduos seria menor porque não são necessárias extensas redes hidráulicas para conduzirem o material, que pode ser tratado no mesmo local de sua produção em sistemas descentralizados de tratamento. Outra vantagem reside no fato de o esgoto ser tratado subterraneamente, diminuindo também o mau cheiro proveniente das estações de tratamento que assola diversos bairros. Ou seja, muitas vezes não precisaremos de obras de engenharia faraônicas para tratar nossos resíduos. Precisamos sim de iniciativas inovadoras, com embasamento científico e que tenha a participação popular nesses empreendimentos.
A própria população pode gerar recursos com os seus resíduos. Sim, o nosso lixo é riqueza e os materiais recicláveis podem ser levados para cooperativas de reciclagem enquanto os demais são destinados para gerar energia para nossas casas. Parece ficção falar sobre redução de tarifa quando o medo agora é que elas sejam aumentadas, mas essa transformação dos nossos resíduos em energia já é realidade em muitos lugares. Em média, um brasileiro gasta R$ 150,00 com energia e ao invés de pensar em aumentar as tarifas podemos pensar em zerá-las.
Segundo Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, “até março de 2022 as empresas operadoras atuais podem comprovar que poderão desenvolver os problemas de água e esgoto dos seus municípios; o setor privado está se estruturando, conversando com parceiros nacionais e internacionais, fundos de investimento para poder analisar quais as possibilidades que terão, principalmente nas PPPs (parcerias público privadas), que estão sendo modeladas e anunciadas pelo BNDES.”
A sociedade civil organizada também precisa se preparar. Quem sabe a gente cocria usinas de biogás a partir de cooperativas descentralizadas, assim como já acontece na Europa? Negócios comunitários sustentáveis já são uma realidade no Brasil, mas no setor de energia e gestão de resíduos ainda temos muito que avançar.
Que tal a gente realmente acompanhar os próximos capítulos do saneamento básico no Brasil? Essa crise sanitária é sinônimo de oportunidade de novos empreendimentos socioambientais e o nosso monitoramento cidadão é fundamental para apagar de vez esse retrato evidente de nossa desigualdade social. Se você conhece caminhos e soluções, vamos juntos.