Goiânia Rock City: a música independente mudou minha vida
Para quem gosta de transgredir, sonhar e ver coisas fantásticas se tornarem realidade, aqui é o lugar.
Ela construiu novos horizontes para a cultura brasileira e, com todas as potências da juventude, se tornou combustível revolucionário para um câmbio de valores, permitindo a toda uma geração se conectar a utopias em comum. Acredite: a história da música independente ensinou que não basta sonhar sozinho. Isso é devaneio, é pouco.
Em 1999 eu tinha 8 anos de idade. Nesse mesmo ano, nascia o Festival Bananada. Enquanto escrevo esse texto, o festival chega à sua 19ª edição e se torna um gigante da música brasileira. Enquanto você me lê, o festival movimenta a cidade e o mundo: são casas de shows, baladas, espaços públicos, centros culturais, batalhas de chef, circuitos gastronômicos, campeonato de skate, exposições de artes plásticas, tatuadores, além de contar com mais de 100 shows, programação infantil e parcerias que cruzam os mares! Ufa!
É por isso que, se me dizem que o rock morreu, eu duvido. É somente com essa atitude transgressora, corajosa e inerente às culturas vindas do underground, que Goiânia poderia ter se tornado esse celeiro da cultura independente. Essa experiência roqueira aplicada por festivais como Goiânia Noise, Vaca Amarela e Bananada, foi capaz de transformar a cultura e a economia do estado, além de ter transformado toda uma geração de jovens.
“O JOVEM É QUE MUDA”
Em 2010, o centro cultural que abriga os maiores festivais independentes da cidade – e alguns dos maiores do país – foi fechado pelo governo por simples descaso. Em um ato articulado por produtores dos maiores festivais locais, mais de duas mil pessoas seguiram um trio elétrico até a porta do Centro Cultural Oscar Niemeyer para protestar contra o sucateamento daquele equipamento público e exigir sua imediata reabertura. Hoje, o espaço está aberto graças a essas mobilizações. Em 2010, antes das jornadas de junho, não era tão fácil ter jovens e adolescentes, no interior do país, que estivessem dispostos a fazer esse tipo de disputa e que se envolvessem na fiscalização de seus espaços públicos de cultura.
Talvez esteja aí uma grande peculiaridade desses festivais independentes: garantir espaço para que a transcendência no comportamento, na estética e na política aconteçam.
Foram esses produtores e artistas, somados a outros de todos os cantos do Brasil, que também participaram da construção colaborativa de entidades, movimentos e plataformas que desenharam novos horizontes para a música e a cultura brasileira. Fora do Eixo, Abrafin, Grito Rock e Toque no Brasil são algumas das articulações que incentivaram essa geração a reinventar-se, disputando o mercado da música e os imaginários dos jovens no Brasil.
Em 2009, quando o Bananada já completava 10 anos, a internet estava na transição do Orkut para o FaceBook, do comunitário para o exibicionismo individual ou do debate em comunidades para a busca por likes. No mesmo ano, contra a maré, vivi uma pancada de experiências colaborativas e o vírus da vida independente tomou conta de mim: o II Congresso Fora do Eixo, em Rio Branco, no Acre, foi um dos momentos mais importantes no processo de formação desse produtor cultural/agente-político-fora-do-eixo que vos fala.
Sem dúvidas, ver que tudo aquilo que eu vivia em Goiânia estava sendo sistematizado, debatido e funcionava em diferentes lugares do país, foi algo extraordinário. Me fez acreditar que um jovem sozinho pode mudar alguma coisa, mas juntos nossas individualidades se potencializam e nos permitem reinventar qualquer coisa. Até mesmo reinventar a roda! Sim, a música independente também me ensinou realmente que “O jovem é que muda”, como diriam os Rollin Chamas.
“EM TERRA DE COWBOY, QUEM TOCA GUITARRA É DOIDO?”**
Acontece que, sonhar que Goiânia se tornaria um dos maiores palcos da música independente brasileira era loucura. Isso porque “Em terra de cowboy quem toca guitarra é doido”. Esse é o título do livro lançado por Pablo Kossa em 2005, que conta os primeiros 10 anos de Goiânia Noise Festival, um dos maiores e mais emblemáticos festivais de música na história deste país. Hoje o festival já passou das duas décadas – sem parar. Imagine só: fazer rock, no interior do país, em contraponto a uma grande carga caipira, na era pré internet – isso só poderia ser coisa de doido. Hoje, o Noise é um dos mais longevos festivais de cultura de Goiás. Sinal que essa loucura tem funcionado.
Diante desse mundo careta e fundamentalista, com uma cultura tão massificada pelos veículos de comunicação, os festivais de música independente são os ambientes que sustentam e fomentam a cultura jovem no interior do país. Na verdade não é só quem toca guitarra que é doido, é qualquer um que acredite naquilo que faz e constrói junto, a mais de quatro mãos. Os festivais exaltam a conexão com a comunidade, a coletividade, o encontro… Por isso, seja com uma banda ou um coletivo, o que importa pra nós é construir o mundo ao redor, reinventar a cidade, ocupar espaços com a cultura e movimentar uma cena sem precisar dos recursos disponíveis nos grandes centros.
Nossa realidade não é tão diferente da realidade de outras cidades no interior do Brasil. Inclusive, para que Goiânia se tornasse esse celeiro da música alternativa no país foi preciso que centenas de mãos, espalhadas por outras cidades fora do eixo cultural brasileiro, pensassem em como fazer essa revolução, que afronta as caretices e exalta os horizontes de cada indivíduo, potencializados nesses ambientes coletivos.
Então, aproveitando que moro aqui e que estou em semana de Bananada, vou acompanhar cada detalhe dessa programação incrível que o festival oferece. Ainda estamos no quarto dia e já sinto no corpo os efeitos da maratona que será essa semana, que vai até dia 14 de maio. Se você não veio em 2017, programe-se para o próximo ano e não perca esse grande encontro que é o Festival Bananada. Não deixe de conhecer Goiânia Rock City. Para quem gosta de transgredir, sonhar e ver coisas fantásticas se tornarem realidade, aqui é o lugar.