As transformações civilizatórias sempre foram e serão processos de ressignificação de padrões culturais. São também momentos que nos causam inquietações em diferentes níveis – para não dizer angústias, receios, medos – por não sabermos, ou melhor, não conseguirmos mensurar o tamanho de seu impacto dentro do ecossistema que vivemos, e que estamos acostumados a viver…

O que estamos passando também pode ser compreendido como uma reação por tudo que temos feito com o planeta. Ação e reação. É a terceira lei de Newton: para toda força de ação que é aplicada a um corpo, surge uma força de reação em um corpo diferente. Essa força de reação tem a mesma intensidade da força de ação e atua na mesma direção, mas com sentido oposto.

Compreendo que o planeta Terra está reagindo.

E agora estamos, os privilegiados, em quarentena em casa. Há duas semanas atrás caminhávamos nas ruas, íamos para a escola ou para o trabalho, fazíamos as compras, fechávamos o dia socializando em um boteco qualquer e depois nos recolhíamos aos lares para assistir a uma série e dormir. E hoje, radicalmente, a solução é ficarmos em casa. Para salvar a si e ao outro.

Surge, para alguns, um novo léxico. Home Office, videoconferências, calls. Surge para outros a necessidade de uso de aplicativos: para comprar, para fazer exercício físico, para ouvir música, para falar, para dormir e, o que antes, era um elemento que nos distanciava, passa a ser uma ferramenta imprescindível para nos aproximar. 

Nestas duas últimas semanas o presidente global da empresa americana Uber declarou que o aplicativo teve uma queda de 70% de uso nos Estados Unidos. Por outro lado, diante da pandemia, aplicativos de streaming reduzem qualidade de vídeo como a Netflix, Globoplay, Facebook e YouTube baixam a resolução de vídeos para suportar os acessos simultâneos devido ao impacto na internet. A alteração da rotina sobrecarregou a infraestrutura da internet. E dos problemas que surgirem buscaremos construir soluções, imprescindivelmente, inclusive para combater a própria desigualdade de acesso.

Pós eleições de 2018, com as fake news, o vazamento de dados, o uso inadequado do whatsapp, acompanhamos o processo de demonização da tecnologia. Personificamos nela uma série de insatisfações, de indignações e muitos outros adjetivos negativos. Mas vale sempre fazer um caminho reverso pois talvez daqui pra frente será diferente, e não podemos esquecer que sempre se teve o dedo do ser humano.

Voltando ao início deste texto, estou me referindo a padrões culturais. Podemos considerar que os padrões estão diretamente vinculados às diferentes formas de ver o mundo. Do comunismo ao neoliberalismo. Pontas opostas que enxergam a vida de forma bem diferente e, consequentemente, possuem práticas que dialogam com isso. E o uso da tecnologia por cada um será naturalmente diferente.

Mas uma coisa é certa. A tecnologia não vai regredir. O digital não voltará atrás.

Se viveremos o Black Mirror, é porque optamos por isso. Mais ainda há tempo! Porque há formas de usar das tecnologias para o bem comum, para o empoderamento cívico, para salvar vidas.

No ciberespaço a guerra já começou há muitos anos, como também novas formas de ditadura e censuras. Mas a resistência também está neste lugar! Quando penso nisso sempre me vem cenas do Star Wars na mente. E por conta dele penso: meu (seu) foco determina a minha (nossa) realidade.

Estamos trilhando uma nova jornada e como toda jornada não sabemos o ponto final. Muitos debates podem ser levantados sobre este novo momento, há muitos paradoxos. De um lado, por meio de aplicativos podemos assegurar o recebimento de produtos em casa, mas por outro lado a uma vida em risco sob uma moto. Quais são as orientações dadas para esta pessoa? É responsabilidade de quem?

Como iremos resolver isso? Ainda não sei, mas sei que a solução será coletiva.

Ainda, nestas últimas semanas vivenciamos o verdadeiro festival de lives. Houve uma necessidade imediata de falar, de dialogar, de expressar. Ação que demostra que o presencial, algumas vezes, nos limita as nossas próprias urgências e demandas. Nem sempre ele significa o corpo e mente presente. Agora a nossa presença é conscientemente virtual.

E ela, a tecnologia é que nos aproxima, que diminui as distâncias, e mantém o amor vivo!

Há-braços-digitais! 🖖