Registro do vídeo foi feito durante um ritual de conexão e cura entre as artistas

Depois de Pança Cheia e Falta Pele, o novo clipe do projeto Bel_Medula é da faixa Eu Vou Contar. Para o vídeo, dirigido pela fotógrafa Vitória Proença, foram convidadas 15 mulheres que produzem música em Porto Alegre e representam uma parte de um vulcão criativo e diverso. Juntas, elas revisitaram o passado de suas ancestrais, dividiram experiências, aflições e muito amor.

Artistas nos bastidores da gravação Foto: Vitória Proença

Eu vou contar veio como um jorro, uma música que pediu para acontecer”, conta Bel. A faixa, que abre o lado Osso do disco Pele/Osso (Tronco/2019), mistura spoken word com melodia sobre uma base eletrônica e fala da ausência das mulheres nos espaços da música. Escolhi os timbres das frases de sintetizadores que foram se sobrepondo ao beat e fui gravando, decidindo onde entraria cada uma, adicionando camadas. Pensei em uma emissão falada, em um texto reto e urgente”, lembra.

Para finalizar a faixa, Bel decidiu resgatar a atmosfera dos coletivos de mulheres que participa, como o Girls Rock Camp, Female Pressure, Sonora, Sônicas, Feminoise Latinoamerica, dentre outros. “Pensava que, de alguma forma, eu queria trazer no som estes coletivos de mulheres, estas presenças todas que atravessam não so a mim, mas também a todas as pessoas que por ali transitam. Sobrepus, então, camadas de voz, que trazem texturas, atravessamentos, diferentes trânsitos e movimentos”. Neste embalo, veio a ideia do clipe, para dar ainda mais corpo e vida à música. 

O clipe

A fotógrafa Vitória Proença fez o seu debut como diretora de audiovisual no clipe e, ao lado de Bel e da diretora de elenco Kaya Rodrigues, criou um trabalho forte, intenso, mas, ao mesmo tempo leve, o que possibilitou que todas ali se sentissem seguras e acolhidas. Vitória fala que o processo foi de imersão dentro do propósito artístico e de uma investigação emocional, e que isto foi imprescindível para que pudéssemos chegar na dinâmica que gerou o clipe. Neste processo, apareceu a importância da escrita manual, da luz natural, as cores, os significados da fotografia. “Juntamente com o Vini, a Kaya e a Joyce, a Bel e as artistas, as dinâmicas do roteiro foram se construindo, com base nas trocas e nas experiências, e tudo fluiu de forma muito afinada”, diz Vitória.

Pedi que cada artista levasse fotos de mulheres importantes da sua vida, próximas, e que contasse a história delas para o grupo, para multiplicar as presenças. Depois cada uma colocaria a foto na parede e teríamos um mural de uma parte das nossas histórias. 15 compositoras, uma diretora, uma figurinista, todas elas vivendo na mesma cidade e relativamente próximas.O roteiro do clipe foi pensado de forma coletiva por toda a equipe, mas o resultado do processo ficou muito mais intenso do que poderíamos imaginar”, celebra Bel.

Imagem do clipe Foto: Vitória Proença

A dinâmica trouxe um sentimento de sororidade bastante presente, o processo de contar sobre si e suas ancestrais apresentou diferentes recortes da vida de cada uma das compositoras presentes que as outras não conheciam, enquanto o processo de ouvir fez com que cada uma se desnudasse para si mesma. 

Este lugar de conexão levou à uma atuação em frente às câmeras que foi de delicadeza, entrega e brincadeira, sem pensar que deveria haver uma forma certa de atuar ou mover-se. A cantora, compositora e arranjadora Kristal Werner, que estava no encontro, deu o seguinte depoimento: “Conhecer a Bel é leve. Se envolver com ela é pesado. Passar um dia inteiro envolvida num projeto pensado por ela, é ainda pior. Nunca é como um dia qualquer, em que a gente sai de casa e volta sendo a mesma pessoa. Não importa o quanto eu tenha me preparado e respirado mais no dia anterior, o desconforto e o aperto no peito surgiram como uma raiz que brota do asfalto. O esforço diário que nós fazemos para ocupar o nosso espaço, jamais servirá se as nossas relações com outras mulheres não forem compreendidas e curadas, se não conseguirmos enxergar os processos que nos trouxeram até aqui. Quando uma raiz brota de um lugar incomum aos nossos olhos, ela lembra das histórias que esquecemos ou que tentaram apagar. Ela lembra que ainda está ali, por mais sólido que seja o material que usamos para escondê-la. A música e o clipe da Bel falam disso. Lembram que nós, mulheres, existimos e resistimos. Não importa quantas histórias sobre os homens foram construídas por cima das nossas e contadas antes delas, nós não deixamos de existir. A diferença é que agora nós estamos contando, brotando para nunca mais desaparecer.

FICHA TÉCNICA

Elenco

Bê Smidt

Bel_Medula

Clarissa Ferreira

Gutcha Ramil

Jordana Henriques

Kaya Rodrigues

Kristal Werner

Mari Martinez

Nina Fola

Nina Nicolaiweisky

Paola Kirst

Paula Posada

Rita Zart

Tamiris Duarte

Thays Prado

Direção criativa: Bel_Medula

Direção: Vitória Proença

Direção de elenco: Kaya Rodrigues

Figurino: Joice James

Design Gráfico: Vitória Proença

Captação e Montagem: Vinícius Angeli

Roteiro: todes

Filmado no Linha, Porto Alegre, em 13 de fevereiro de 2020

Ficha Técnica da Gravação:

Bel_Medula: voz e sintetizadores

Luciano Zanatta: programação de bateria eletrônica

Gravação de vozes: André Brasil 

Mixagem: Luciano Zanatta

Masterizado por Gilberto Ribeiro Junior

Gravado em setembro de 2019

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SOBRE ISABEL NOGUEIRA

Isabel Nogueira é compositora, cantora, multiinstrumentista, produtora musical e musicóloga. Doutora em Musicologia pela Universidade Autônoma de Madri, estuda piano desde a infância e, ao longo de sua trajetória, pesquisa as potencialidades da voz e dos sintetizadores na expressão artística. É professora da UFRGS e coordenadora do Grupo de Pesquisa Sônicas: Gênero, Corpo e Música (UFRGS).  Suas composições trazem diferentes visões sobre o “ser mulher” no mundo. Grooves, beats e ambiências se misturam à vozes sussurradas, cantadas e faladas, propondo mantras contemporâneos a partir da combinação de elementos sintéticos e orgânicos. Tem o projeto solo Bel_Medula, e o projeto Betamaxer, de música experimental. Lançou os trabalhos fonográficos “Vestígios Violeta” (2014), “Impermanente movimento”, “Voicing” e “Lusque-Fusque” (2016), “Mar de tralhas”, “Betamaxers”, “Légua”, “Meteoro-phoenix”, “Unlikely Objects” e “Hybrid” (2017),” Zah”, “Isama Noko”, “Wnyhum” e “Se eu fosse eu” (2018). Tem atuado em festivais no Brasil (Kinobeat, Musica Estranha, FIME) e em festivais no exterior (Live Arts Culture – Itália, Feminoise – Argentina), além de performances em espaços consagrados da música experimental, como a sala Spectrum (NY).  Em 2919 foi orientadora da residência artística para mulheres no Projeto Concha, na cidade de Porto Alegre com financiamento da Natura Musical, no mesmo ano, lançou seu primeiro álbum Pele / Osso.