Campeão da civilidade: esse título eu quero
O resultado foi um fiasco de 5 a 0. Mas pra contar essa história quero fazer uma analogia.
Sou gremista desde que me entendo como “gente”. Entendo a importância de ser sócia para o crescimento do clube e por isso vou a praticamente todos os jogos, quando não vou socializo meu lugar para que o Grêmio tenha o apoio assegurado. Essa semana fiz uma das viagens mais fascinantes da minha vida. Saí de Porto Alegre rumo ao Rio de Janeiro de ônibus junto com torcedores de várias cidades gaúchas. Foram 34 horas até chegar na Barra da Tijuca, quartel general da torcida tricolor. A nossa empreitada tinha como foco a tão sonhada vaga na final da Libertadores e, consequentemente, o tetra da competição. O resultado foi um fiasco de 5 a 0. Mas pra contar essa história quero fazer uma analogia.
Vamos fazer de conta que o Flamengo é uma escola particular, que faz formações constantes no corpo docente, investe em infraestrutura e está sempre inovando na metodologia de ensino. Enquanto o Grêmio é o ensino público, que sem Jean Pierre e Luan é como se fosse uma escola sem professores de matemática e português. O futebol apresentado pelo clube gaúcho no Maracanã é o professor já castigado e cansado de seus salários defasados e atrasados. Obviamente, não estou relacionando com o salário milionário dos jogadores e que em alguns muitos casos não respondem.
Na minha visão, os 5 a 0 não foram somente em campo. Foi no pré e no pós-jogo. Explico: presenciei cenas de homens jogando notas de dinheiro nas trabalhadoras dos bares do estádio num ato comum de machismo. A mesma torcida que entoa os famosos e conhecidos cânticos racistas, machistas e homofóbicos. Na fila da pipoca, onde pais e mães de família cantavam “atirei o pau no Inter e mandei tomar no cu, colorado filha da puta, chupa rosca e dá o cu. Ei Inter vai tomar no cu”. Vale lembrar que o jogo era contra o Flamengo, não havendo motivos para a minha torcida cantar algo para o Internacional.
Após a partida, durante entrevista coletiva, o treinador Renato Portaluppi destila toda a sua frustração nas mulheres ao afirmar que “até mulheres grávidas fariam gol no Grêmio naquele jogo”. Portaluppi sempre faz afirmações desta categoria e tem o aval da direção tricolor. Como mulher, militante feminista, sócio e torcedora do Grêmio repudio esse ato que reforça mais uma vez o machismo estrutural dentro do meio futebolístico. Basta a ir os jogos para perceber o crescimento da participação de mulheres em consulados e torcidas organizadas.
Os cinco gols do time carioca podem ser explicados pelo grande investimento em jogadores de padrão internacional como Filipe Luis, Arascaeta e Pablo Marí Villar, mas também na logística que nos recebeu. O tempo que ficamos no Rio de Janeiro, desde recepção e deslocamento para o Maracanã, foram feitos com toda a segurança. Nos chamou a atenção o armamento utilizado pela polícia do sanguinário Witzel – fuzis e espingardas calibre 12. Nós gaúchos que estamos acostumados com uma polícia que mal tem acesso a armas como pistolas e 38.
Os 5 a 0 da semifinal da Libertadores mostram que investimento nunca é demais. Que quando o Estado quer, as operações são realizadas de forma organizada o resultado é a diminuição dos episódios de violência. Agora, meu sonho será realizado no dia que a nossa torcida não cante músicas racistas, machistas e homofóbicas. Nesse dia vamos ganhar o título de campeões da civilidade. Essa taça é a que eu quero”
Carla Castro é jornalista, estudante de Direito, feminista, militante da Unidade Popular pelo Socialismo (UP) e do Movimento de Mulheres Olga Benario