Por Alicia Lobato

Entre os anos de 2004 e 2012 a redução no desmatamento no Brasil é considerada pelo IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – como a maior contribuição oferecida por um país no combate às mudanças climáticas. Além da redução, a existência de áreas protegidas, entre elas as reservas e territórios indígenas, ajudaram para que isso ocorresse.

O professor sênior do Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, Ricardo Abramovay, em seu relatório lançado em 2018, nos faz entender o que está havendo na Amazônia este ano. O estudo evidenciou que o padrão de crescimento na Amazônia nas últimas décadas desestimulou o fortalecimento da economia regional, não elevou o padrão de vida da população e trouxe danos ambientais que comprometem a própria produção agropecuária.

As políticas públicas não acompanharam a ampliação das áreas protegidas, não garantiram sua integridade e, portanto, os serviços ecossistêmicos – relacionamento entre plantas, animais e comunidades de micro-organismos – que justificassem sua proteção.

Ao contrário do que imaginamos, o crescimento econômico na Amazônia não depende do desmatamento, é o oposto. Na verdade é onde menos a economia cresce. Atribuindo tópicos ao seu trabalho, o professor Ricardo Abramovay comenta que as Unidades de Conservação e das populações que nela vivem prestam um serviço não só ecossistêmicos, mas também colaboram nas práticas econômicas dos povos tradicionais e comenta: “As práticas predatórias inibem a emergência de uma economia do conhecimento da natureza e estimulam a permanência do que hoje pode ser chamado de economia da destruição da natureza”.

O desmatamento na Amazônia legal está diretamente associado à desigualdade fundiária, que é 50% maior que a própria desigualdade de renda, e ainda maior entre os municípios desmatadores. Fica evidente que no Brasil ocorre uma diferença em relação à distribuição de terras, uma vez que alguns detêm uma elevada quantidade de terras e outros possuem pouca ou nenhuma. Esses aspectos caracterizam a concentração fundiária brasileira. Segundo dados do Observatório do Clima, em 2015 e 2016 o desmatamento aumentou 50% com relação a 2014. É verdade que, em 2017, o desmatamento caiu 16% com relação a 2016. Mas, ainda assim, o Brasil desmatou na Amazônia só em 2017 nada menos que 6.624 quilômetros quadrados.

O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) que foi criado em 2004 e tem como objetivos reduzir de forma contínua e consistente o desmatamento e criar as condições para se estabelecer um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal, determinou que o desmatamento na Amazônia deveria cair a 3.920 quilômetros até 2020.

Resumindo, não há razões econômicas que justifiquem a persistência do desmatamento na Amazônia. O crescimento econômico e o vigor da agropecuária, mesmo a da Amazônia, não dependem do desmatamento. A perda da floresta é uma ameaça à agropecuária em todo o país e à oferta dos serviços ecossistêmicos dos quais todos (dentro e fora do Brasil) dependem.

Desde que as medições começaram, o ano de 2017 foi recorde de queimadas no país. Ao todo, foram 275.120 incêndios registrados, dos quais 132 mil na Amazônia. Só no Pará as queimadas aumentaram 200% em 2017, relativamente ao ano anterior. As queimadas que ainda são utilizadas para transformar áreas em plantação, criação de gado e pastagens colaboram para o aumento dos gases de efeito estufa – altera a quantidade desses gases na atmosfera e isso leva a um aumento indesejável da temperatura média do planeta.

Sendo assim, um dos mais danosos efeitos das mudanças climáticas é o de ampliar a suscetibilidade a incêndio das florestas tropicais. O aumento em 36% dos incêndios na Amazônia em 2015 (relativamente à média dos 12 anos anteriores) é atribuído, por um estudo de pesquisadores do INPE publicado na Nature Communications, às mudanças climáticas.

As mudanças climáticas são reconhecidas pela quase totalidade dos cientistas que publicam nas mais prestigiosas revistas do mundo como o mais importante desafio que a humanidade já teve pela frente. Para transformações, precisa por sua vez, se apoiar não apenas em muita ciência e tecnologia, mas na urgência de que sejam modificadas dimensões fundamentais dos próprios comportamentos sociais, como mostram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável aprovados pelas Nações Unidas e endossados pelo Brasil.

O Brasil tem uma dupla e fundamental contribuição global na luta contra as mudanças climáticas. O estudo realizado, reuniu evidências que mostram que esta interrupção ao desmatamento não supõe conquistas tecnológicas complexas ou sacrifícios no bem-estar do País ou da própria Amazônia. A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa continua sendo o desmatamento, que para ser interrompido não supõe mudanças bruscas em padrões de produção e consumo da economia como um todo.

Detentor da maior biodiversidade do Planeta o País precisa se preparar para transformar esta gigantesca riqueza em fonte de desenvolvimento. Isso supõe evidentemente em evitar a destruição da área que concentra a maior biodiversidade do Planeta. Investir nas Unidades de Conservação é uma estratégia para que o Brasil ofereça aos brasileiros e ao mundo serviços ecossistêmicos fundamentais para a própria vida no Planeta.

Tolerar a invasão e a redução de suas áreas é renunciar a um papel global que será cada vez mais importante para o Brasil. Precisamos reconhecer o papel estratégico das populações tradicionais e de suas atividades na ocupação destas áreas. Tanto a floresta como as populações tradicionais que nela habitam representam não apenas utilidade econômica ou ecossistêmica, mas uma riqueza cultural que se exprime na diversidade das línguas dos costumes e da própria cultura material dos povos da floresta. É imensa a responsabilidade da nação brasileira com a preservação desta fonte única de diversidade, de ensinamentos e de sabedoria. A proteção da floresta e dos povos que a habitam é fundamental pela riqueza e pelos serviços ecossistêmicos que dela derivam.