Comunidade de Cajueiro protesta contra despejo forçado de famílias no Maranhão
Moradores da comunidade de Cajueiro, na zona rural de São Luís (MA), travam uma luta contra a empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais para evitar a construção de um porto privado na região. O despejo das famílias começou hoje de forma violenta pela Polícia Militar e Batalhão de Choque.
Moradores da comunidade de Cajueiro, na zona rural de São Luís (MA), travam uma luta contra a empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais para evitar a construção de um porto privado na região. Na manhã desta segunda-feira (12), após intensa manifestação dos comunitários em frente ao Palácio dos Leões, os tratores começaram a invadir as casas. Com violenta ação da Polícia Militar, os moradores registraram em vídeo o uso de gás de pimenta, além de abordagem truculenta do Batalhão de Choque contra mulheres e idosos.
Em nota, a comunidade afirma “inúmeras arbitrariedades que subsidiam as medidas que estão sendo ordenadas contra a população tradicional do Cajueiro, pretendendo destruir suas casas, suas vidas e produzir consequências irreparáveis e irreversíveis”.
Desde que iniciou a batalha contra a empresa, várias irregularidades já foram cometidas, conforme apontado em nota publicada ontem pela comunidade, como destruição de casas na véspera do Natal, aterramento de mangues e utilização de milícia privada. A comunidade possui sentença protegendo seus habitantes contra atos de desapossamento, em sede da ação civil pública na 8a Vara Federal de São Luís, movida pelo Ministério Público Federal. Contudo, a sentença foi desconsiderada.
Hoje, a Secretaria de Direitos Humanos (Sedihpop) do Governo do Maranhão soltou nota afirmando que realizou mediação com o Ministério Público, Defensoria Pública e as partes para encontrar uma solução, que foi o “reassentamento de todas as famílias que residem no local, pagamento mensal de aluguel social e cestas básicas e proposta de capacitação e emprego de um membro de cada família”. Contudo, a ação de despejo se iniciou de forma violenta “sem direito a qualquer contrapartida ou reassentamento”.
O território é local de cerca de 500 famílias e é marcado por constantes conflitos: a área está cercada por fábricas de cimento, por uma usina termoelétrica, duas fábricas de fertilizantes, usinas e refinarias da Vale, cuja estrada de ferro passa ao lado. É uma das áreas mais pobres e desiguais do país, conforme dados do IBGE.
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Leia abaixo na íntegra a nota da comunidade de Cajueiro:
CARTA PÚBLICA URGENTE EM DEFESA DO CAJUEIRO
OS TRATORES ESTÃO PRONTOS PARA DERRUBAR A COMUNIDADE DO CAJUEIRO, EM SÃO LUÍS-MA!
Manifestamos nossa indignação contra a IMINENTE AMEAÇA DE DESPEJO FORÇADO DE MORADORES DA COMUNIDADE DO CAJUEIRO para a construção de um porto privado da empresa WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda (atual TUP Porto São Luís S/A) – pertencente ao grupo W Torre – em São Luís-MA, em enorme operação de despejo programada pela PM MA para ocorrer a qualquer momento a partir da manhã dessa segunda-feira, 12.08.2019.
Denunciamos a existência de inúmeras arbitrariedades que subsidiam as medidas que estão sendo ordenadas contra a população tradicional do Cajueiro, pretendendo destruir suas casas, suas vidas e produzir consequências irreparáveis e irreversíveis.
Estão mobilizados mais de 180 PMs para o trágico despejo, sem direito a qualquer contrapartida ou reassentamento. Em sequência, dentro de poucas semanas, deverão ser despejadas mais 80 famílias para construção da via de acesso ao terminal portuário.
O território Cajueiro é composto por cinco pequenos núcleos: Parnauaçu, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro. Parnauaçu (exatamente onde se pretende construir o porto) está no perímetro da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que, por sua vez, possui sentença protegendo seus habitantes contra atos de desapossamento, em sede da ação civil pública no 0036138-02.2013.4.01.3700 (8a Vara Federal de São Luís-MA), movida pelo Ministério Público Federal, o que está sendo desconsiderado.
Diversas estratégias ilícitas foram utilizadas pela empresa desde 2014: destruição arbitrária de casas na véspera do Natal de 2014; cooptação e desmobilização de moradores; utilização de milícia privada; impedimento de livre circulação em vias públicas; desmatamentos; aterramento de mangues e igarapés; entre outros.
Diante das agressões da empresa à posse dos moradores do Cajueiro, a Defensoria Pública do Estado, em 2014, ajuizou Ação Civil Pública em sua defesa (ACP n. 46221- 97.2014.8.10.0001 – Vara de Interesses Coletivos e Difusos de São Luís-MA), tendo obtido sentença que proíbe a empresa portuária de quaisquer atos que impeçam o livre exercício da posse pelas/os moradoras/es do Cajueiro. Tal sentença continua em vigor, mas a empresa e o Governo do Maranhão tentam silenciar a sua existência.
A decisão de reintegração de posse que buscam cumprir agora, portanto, conflita com tal sentença da ACP que protege a posse para a população do Cajueiro. A iminente operação de despejo forçado provém de um interdito proibitório movido em 2014 pela empresa portuária contra a União dos Moradores do Cajueiro. Em julho de 2019, foi concedida liminar contra a associação. Ainda que haja moradores afetados pela decisão que sequer são associados a ela (o que impede seu direito de defesa) e mesmo existindo decisão judicial conflitante, o Governo do Estado pretende realizar o despejo em operação-surpresa sem esclarecimento do dia exato em que ocorrerá, causando clima de terror entre os moradores.
Há recursos no TJ MA enfrentando essas e outras graves ilegalidades, mas o poder econômico da empresa tem garantido apoio inclusive da Secretaria Estadual de Direitos Humanos para que a operação de despejo seja cumprida imediatamente, para criar-se um fato consumado e irreversível: a destruição da comunidade do Cajueiro.
Assim, exigimos que o Governo do Maranhão suspenda, EM CARÁTER DE URGÊNCIA, a operação de reintegração de posse programada para ocorrer a qualquer momento a partir da manhã da segunda-feira, 12 de agosto de 2019, para que sejam elucidados todos os aspectos existentes em recursos judiciais em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Em 11 de agosto de 2019, assinam:
MPP – Movimento de Pescadores e Pescadoras
Central Sindical e Popular CSP – CONLUTAS
GEDMMA – UFMA
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu do Maranhão , Pará, Piauí e Tocantins – MIQCB
Justiça nos Trilhos
Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale
Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular
NAJUP Negro Cosme – UFMA
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Justiça Global Movimento Águas e Serras de Casa Branca, Brumadinho
NERA – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questão Agrária – UFMA
Centro de Defesa da Vida e Direitos Humanos Carmem Bascaran – IBASE
Comissão Pastoral da Terra – CPT-MA
Comissão de Direitos Humanos da OAB – MA
Associação Agroecológica Tijupá
NEGO – Núcleo de Estudos Geográficos- UFMA
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MID Movimento em Defesa da Ilha MSP Movimento de Saúde pelos Povos
Conselho Indigenista Missionário – CIMI – MA
FEAB – Federação dos Estudantes de Agronomia do MA
CÁRITAS Levante Popular da Juventude
UNIQUITA – União dos Quilombos de Anajatuba
ACESA – Ação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura
Associação dos Produtores Rurais Quilombolas de Santa Rosa dos Pretos – Itapecuru Mirim
MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão
Associação de Moradores do Residencial Eugênio Pereira
Clube de Mães da Pindoba
CEAFRO Maria Firmina – UFMA
Coletivo de Mulheres Ufmistas
Veja abaixo documentário produzido em 2018 pela Pavio e Brasil de Fato sobre os conflitos da região: