Damares, entenda: política para mulheres não é questão de opinião
Soa irresponsável desqualificar a importância das políticas públicas diante de dados tão alarmantes
Os dados de violência contra mulheres e menores de idade vão de mal a pior. O percentual de feminicídio em São Paulo aumentou 76% no primeiro trimestre do ano, conforme pesquisa divulgada pelo site G1 no final de abril. O número de meninos e meninas vítimas de violência sexual só cresce, segundo a UNICEF: em 2016 eram 61,2 mil; em 2017 saltou para 67.029 mil.
Só que a ministra Damares Alves parece não gostar de trabalhar com estatísticas. Desde que assumiu o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, sua equipe não apresentou nenhuma proposta ou política pública ancorada em pesquisas.
Muito pelo contrário: o que ela fez até agora, como expus na sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, foi dar declarações que reforçam estereótipos de machismo e misoginia.
Não vou entrar no mérito da religião. Damares, assim como milhões de brasileiros, têm a liberdade de professar sua fé na igreja ou na instituição que lhe é conveniente. O que ela não pode, enquanto ministra, é partir de um pressuposto religioso para nortear as políticas públicas de um país tão grande, complexo e plural, como é o Brasil.
Política de Estado não é questão de opinião. Soa irresponsável desqualificar a importância de uma educação sexual nas escolas diante de dados tão alarmantes: 68% dos registros no sistema de saúde brasileiro se referem a estupro de menores, e, segundo o Atlas da Violência, quase um terço dos agressores das crianças (com até 13 anos de idade) são amigos e conhecidos das vítimas e os outros 30% são pessoas mais próximas, como pais, padrastos e irmãos.
Não dá afirmar, nem de brincadeira, que os meninos precisam aprender a levar flores para as meninas, quando vivemos em um país no qual uma em cada quatro mulheres já sofreu algum tipo de violência ou agressão, e que 80% desses crimes são praticados por pessoas próximas, como maridos, namorados ou ex-companheiros, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Aliás, a ministra nunca me respondeu como avalia o fato de Bolsonaro ter flexibilizado a posse de arma, mesmo sabendo que 47,2% das mulheres mortas dentro de suas casas foram assassinadas com armas de fogo. Até concordo com a ministra quando ela afirma que o agressor vai usar o que estiver ao seu alcance para atacar uma mulher. Mas uma coisa não justifica a outra! Não dá para negar os dados e tampouco relativizar o perigo que é para uma mulher, que vive com medo, saber que seu companheiro ou parente teve o aval do governo federal para colocar uma arma de fogo dentro de casa.
Muitas mulheres demoram a perceber que são vítimas de violência doméstica. Antes de elas levarem o primeiro tapa, já amargaram experiências de descuido, desprezo e humilhações.
Quando se trata de crianças, a situação é ainda pior, porque muitas são violentas desde tão pequenas que não têm a mínima noção do que estão passando.
Todas essas violências não se resolvem somente com a ação da polícia ou castração química — como sugerem alguns lunáticos, sem levar em consideração, inclusive, o alto preço dessa medida para o país. Violência contra a mulher e contra menores de idade tem de ser combativa com uma série de políticas públicas especializadas e multidisciplinares. E para fazer isso é preciso deixar a Bíblia de lado e se debruçar sobre as pesquisas.