Ninguém solta a mão de ninguém
Juntos despertamos nosso poder. Se antes éramos rios se aproximando, agora somos um oceano de iguais.
Por Gabriella Pampillon
Ocorreu nessa sexta-feira, 12, o lançamento do livro Ninguém Solta a Mão de Ninguém, que reúne crônicas de 24 autores sobre o Brasil atual. Inspirada pela ilustração da mineira Thereza Nardelli, a obra sugere que somente o diálogo e o afeto são capazes de combater a onda de retrocessos emergida nos últimos meses.
Durante o evento, o tema fake news foi bastante debatido. Segundo Alexey Dodsworth, vale refletir que, o tentador na onda de farsas virtuais, consiste no fato delas falarem exatamente aquilo que se busca e, portanto, ninguém está imune à fraude. Em seguida, João Wady Cury, completou dizendo que não é um absurdo descabido a convicção inabalável em notícias falsas, dado que sempre são compartilhadas por pessoas que fazem parte do ciclo íntimo de alguém.
Foi suscitada também a necessidade de se deixar a política de lado e pautar as discussões em cima da humanidade que, de acordo com os autores, nunca foi prioridade para nenhuma gestão governamental.
Cury conclui que os governos criaram consumidores e esqueceram de desenvolver cidadãos, sugerindo faltar civilidade entre os brasileiros.
Em emocionante depoimento, Anielle Franco lembra das mentiras propagadas logo após o assassinato de sua irmã e, com pesar, constata que a morte de uma pessoa não comove mais ninguém. Rememora, igualmente, momentos de ódio em que foi cuspida, mais de uma vez, na rua, segurando sua filha no colo.
Cercado por tantas irregularidades estéticas e éticas, o país, paradoxalmente, entregou ao totalitarismo de Bolsonaro a possibilidade de restauração da ordem perdida. Trocou-se a solidariedade por frieza, ódio, medo e, nada obstante, há quem julgue ser justa uma substituição nesses parâmetros. São pessoas que, inertes, assistem à estupidez instaurada crendo, fielmente, ser uma histeria comunista tudo aquilo que repreenda um projeto de governo desigual, intolerante e antidemocrático.
O título do livro remete a uma expressão que ficou conhecida na Ditadura Militar, em meio aos barracos improvisados do curso de ciências sociais da USP. Os estudantes ficavam de mãos dadas durante toda a noite, quando as luzes eram subitamente apagadas e se agarravam ao pilar mais próximo protegendo, assim, uns aos outros.
São por memórias inspiradoras, como essa, que é preciso resistir. É pelo esquecimento dos invisíveis que o grito deve se elevar. É para silenciar uma casta que comemora datas funestas e idolatra tiranos. É para intimidar um presidente quando diz que “o exército não matou ninguém”, vinculando sua fala a 80 tiros de advertência.
Juntos despertamos nosso poder. Se antes éramos rios se aproximando, agora somos um oceano de iguais.
“Não há inverno nem milícias
pra soluções e flores
quando juntas
desabrocham”
(Bell Puã, página 18)