Seguidores de um torturado não celebram a tortura
Cristãos comprometidos com a mensagem do evangelho não celebram a ditadura, ao contrário, repudiam-na e no meio dessa histeria política-religiosa buscam a sanidade da mensagem do nazareno.
Por Luis Carvalho – teólogo
O Brasil vive uma histeria religiosa-política. Isso é verdade. Muitas pessoas resolveram mostrar o lado mais obscuro de sua alma nessa onde de intolerância e preconceito fazendo coro com figuras que destilam ódio, ignorância, falta de informação e desonestidade intelectual sob a alcunha do cristianismo – vide algumas manifestações de ministros e ministras de Estado e do presidente da república. Diante desse quadro seria justo dizer que os cristãos são intolerantes?
Nunca houve tanta necessidade de decantação no meio dos cristãos. Que há cristãos e cristãos, disso todo mundo sabe. Mas o que precisa ficar bem salientando é que o grupo que endossa o discurso conservador e reacionário não passa de um lumpesinato cristão, isto é, cristãos nominais que não tem a consciência do Evangelho e da mensagem profética de Jesus Cristo.
Jesus Cristo se insere dentro de uma tradição do norte de Israel ligada a crítica à monarquia e a modelos de dominação violenta. Por isso se opôs fortemente a Roma quando chamou Herodes de raposa e quando propôs sua mensagem como evangelho do Reino de Deus. A palavra evangelho é tirada do contexto bélico. Evangelho “ipisis literis” significa boa notícia de vitória militar de um exército sobre outro.
Jesus propunha, por meio da manifestação pacífica, a revolução silenciosa do amor.
Dos profetas Jesus herdou a crítica ao Estado. A leitura, iluminada pela fé e pela vida davam o tom das críticas. Como Moisés, Elias e Eliseu, Jesus se opôs à dominação imperial de seu tempo; foi à favor dos camponeses e centrou a maior parte de suas atividades na periferia.
Por esse motivo foi preso – um preso político, aliás – contra ele pesavam duas acusações. Roma o torturou, julgou (com provas forjadas) e o executou como um criminoso.
O cristianismo deveria estar ao lado das vítimas do Estado; das vítimas dos governos e políticas estatais excludentes; das vítimas de preconceito e discriminação, mas muitos ( sem real consciência do que significa ser cristão/ã) preferem ficar ao lado dos opressores. Muitos, mas não todos.
A missão dos cristãos comprometidos com Jesus de Nazaré é protestar contra os absurdos estatais e contras os Herodes modernos. Ainda que pequeno. Esse grupo existe e resiste mesmo dentro do seio cristão.
Cristãos comprometidos com a mensagem do evangelho não celebram a ditadura, ao contrário, repudiam-na e no meio dessa histeria política-religiosa buscam a sanidade da mensagem do nazareno. Resistir é preciso. Protestar é necessário. O cristianismo é, por essência, denunciador da opressão. Seguidores de um torturado não celebram a tortura.