Por outro modelo de segurança
Marcus Vinícius tombou. Um futuro todo pela frente e nem seu uniforme foi capaz de salvar sua pele.
Por Áurea Carolina e Andréia de Jesus
Marcus Vinícius tombou. Um futuro todo pela frente e nem seu uniforme foi capaz – até o menino agonizando se surpreendeu – de salvar sua pele. É que tem peles no Brasil para as quais nem o uniforme, nem a carteira de trabalho, nem qualquer outro frágil subterfúgio servem de escudo.
O Estado brasileiro – forjado pela colonização, pela escravidão e pelo patriarcado –, é genocida e empreende no país uma política de segurança ancorada na repressão, na truculência e no encarceramento em massa. A chamada “guerra às drogas” vem sitiando comunidades periféricas e intensificando sobremaneira o genocídio da população negra, com a matança sistemática de jovens negros e periféricos. Por trás dos números, das mães que choram e das vidas perdidas, uma realidade nefasta que tem origem no racismo estrutural: o sistema está programado para exterminar corpos negros antes que possam deixar frutos para a coletividade.
Relatório preliminar apresentado pela Comissão Especial do Genocídio da Juventude Negra e Pobre de Belo Horizonte [da qual Áurea Carolina foi relatora] mostra que a capital segue as médias estatísticas do restante de Minas Gerais e do país. Sua juventude está entre os públicos mais vulnerabilizados da cidade, sendo que a cada quatro jovens mortos em BH, três são negros. O relatório mostra também que todos os dias um jovem negro morre na cidade e que existe uma associação perversa entre raça, território e homicídios dessa população.
Na outra ponta, a polícia brasileira, militarizada, mata e também morre muito. O desmonte das políticas sociais agrava o quadro e Temer responde à escalada de violência com mais repressão, a exemplo da intervenção federal militar no Rio, e mais cadeias.
O evidente fracasso do modelo, com suas desastrosas e perversas consequências sociais, exige uma reflexão profunda sobre uma outra política de segurança possível. Uma política que vai além da reestruturação e da desmilitarização das polícias, da correção das distorções do Judiciário e da migração do encarceramento para um sistema efetivo de responsabilização com reinserção social. Uma política pensada a partir de ações articuladas entre o poder público e a sociedade civil, associada a políticas intersetoriais de educação, saúde, cultura, habitação, assistência social, trabalho e renda e, principalmente, participação popular, construída junto com as comunidades em busca de soluções diversas para territórios que são também diversos.
Fazer a travessia da atual política de segurança para uma política de segurança cidadã é repensar todo o Estado historicamente enraizado na lógica penal. Algo tão emancipatório e, por isso mesmo, perigoso para os donos do poder, só pode emergir da construção, da luta e da resistência popular aliada à ocupação da institucionalidade por pessoas comprometidas com o bem comum e o bem viver. Para que o Estado e a sociedade, no lugar de desenharem um alvo no peito de cada jovem negro que vive no Brasil, possam oferecer condições efetivas de acesso à felicidade, à dignidade, à justiça e à democracia.