Jean Wyllys: Rússia, destino perigoso
As pessoas têm que ser livres para serem como são e não devem ter seus direitos violados por isso.
O Ministério das Relações Exteriores elaborou e publicou recentemente o “Guia consular do torcedor brasileiro”, destinado aos turistas brasileiros que irão ou já estão na Rússia para acompanhar o mundial de futebol. O documento, elaborado pela área consular do ministério em parceria com o Ministério do Esporte e a Embaixada do Brasil em Moscou com o objetivo de preparar e informar os turistas brasileiros sobre as legislações e costumes locais, chamou a atenção nos últimos dias por trazer uma página sobre a lei homofóbica que vigora na Rússia – que prevê multas e até a detenção de estrangeiros -, acompanhado de recomendações para que a comunidade LGBT evite “demonstrações homoafetivas em ambientes públicos” e manifestações públicas sobre “temas políticos, ideológicos, sociais e de orientação sexual”.
Acredito que o Itamaraty e todos os técnicos envolvidos na elaboração do material tiveram boa intenção e, sobretudo, motivos para fazer esse alerta aos turistas brasileiros. É necessário informar as pessoas porque muitas delas desconhecem a existência de leis discriminatórias em outros países, em especial a Rússia neste momento, e podem ver um momento de festa e celebração se tornar um pesadelo e trauma pessoal em suas vidas, longe do seu país de origem.
Esse trabalho de divulgação sobre a restrição de liberdades individuais no país que está sediando a Copa do Mundo é importante e eu saúdo esta iniciativa. Porém, me causou espécie o fato de a lei homofóbica ser apresentada às pessoas sem estar acompanhada de um parecer crítico no documento do guia. É, ou deveria ser, função do Ministério das Relações Exteriores estabelecer alguma crítica e se somar à pressão internacional que está aproveitando que os olhos do mundo estão voltados para a Rússia e está denunciando, questionando e pedindo a revogação dessas leis que violam os direitos humanos de uma parcela da população.
A quem não sabe, hoje, na Rússia, qualquer marcha, pôster, parada LGBT, revista, livro, filme ou informativo sobre a homossexualidade, bissexualidade ou transgêneros pode ser enquadrado como ato criminal, assim como qualquer pessoa que se identificar publicamente como sendo LGBT. Em junho de 2013, o presidente Vladimir Putin promulgou uma lei que proíbe “propaganda da homossexualidade” (sic) e que é um atentado à liberdade individual e, antes, uma estupidez, já que um movimento político internacional que luta pela garantia de direitos, igualdade e respeito para a população LGBT não pode ser chamado de “propaganda”.
Essa homofobia institucionalizada pelo governo russo respalda a ação de grupos de ódio no país que, com impunidade, atacam pessoas LGBTs, submetendo-as à humilhações e violências físicas que são filmadas e disponibilizadas virtualmente. Ativistas LGBT que se manifestavam nas ruas da capital, Moscou, e em outras cidades do país antes da aprovação da lei já eram vítimas de ataques em praças públicas e de detenções policiais arbitrárias, mas a violência e repressão aumentaram com a atual legislação. Veio daí a preocupação e recomendação do Itamaraty.
É lastimável que o Estado brasileiro tenha que pedir aos seus cidadãos LGBTs que mudem seus comportamentos, voltem para um armário temporário e legitimem as leis discriminatórias de outro país. As pessoas têm que ser livres para serem como são e não devem ter seus direitos violados por isso. Quem tem que mudar o comportamento é o Estado-nação que se propõe a sediar um evento esportivo mundial que mobiliza pessoas de todas as partes do mundo.