reexistir e coexistir: a crise política tb eh metodologica
como repensar nossas existências políticas para um movimento social que unifique sem hierarquizar pautas&corpos?
como repensar nossas existências políticas para um movimento social que unifique sem hierarquizar pautas&corpos?
…para além de todas as lampadadas diárias: golpe, PEC do teto, terceirização, previdência, congelamento da cultura, sucateamento das políticas públicas para população negra, mulheres e LGBTs, vereador intimidando professores nas escolas públicas…
…para além de todas as crises que enfrentamos e temos que ~lhe dar~ diariamente – política, social, cultural, afetiva, espiritual, sexual, existencial, estética, algorítmica –
…acredito que a crise metodológica é a mais perygosa para nós, ativistas.
“resistir e reexistir” emerge como um enunciado relevante nesse cenário de revisionismo metodológico pós-golpe. pq é uma meta-palavra de ordem, é assumidamente de dentro pra dentro, propõe autocrítica e vulnerabilidade.
frente ao rolo compressor neo-fascista que esmaga nossas subjetividades e direitos, pensar novas possibilidades de existência para uma resistência mais efetiva traz mais profundidade para o fazer político.
na verdade, viver passa também a ser o próprio fazer político.
quero com esta coluna propor quinzenalmente uma reflexão autocrítica diferente sobre os nossos próprios métodos de organização coletiva e existência política. também vou sempre chamar outros corpos para ocupar este espaço comiga.
como reexistir? quais são as ferramentas?
sabem, eu escrevo esse texto, ocupo essa plataforma importante e me sinto vulnerável e abusadona ao mesmo tempo. vulnerável por ser só uma bicha sem títulos, sem lattes, sem chancela. abusada por rejeitar os títulos e chancelas e mesmo assim ter muito a dizer.
porque não demarcar essa coexistência como estratégia para reexistir politicamente?
vejo na coexistência um caminho possível para a reexistência. um modelo de organização e estruturação do pensamento. duas coisas aparentemente contraditórias como partes de uma mesma unidade.
isso não significa buscar o conceito neoliberal de ~equilíbrio~ (roda a propaganda de suco clight tocando enya) entre duas premissas zzzz.
pelo contrário, significa abraçar as contradições e saber equalizar os pólos em cada contexto.
to aqui pensano em alguns binômios, algumas coexistências possíveis, que me vêm à cabeça quando lembro das pessoas que militam comigo:
vulnerabilidade e afrontamento,
privilégio e precariedade,
combatividade e empatia,
relevância e potencial de falar bosta,
pertencimento e margem,
crise e oportunidade,
geral e específico,
política e afeto,
etc.
parece familiar? claro que é: inspiração dialética né mores (aloca).
e eu acho curioso que as nossas metodologias de organização no movimento social brasileiro (historicamente influenciado pelo materialismo dialético), ainda tenham princípios muitas vezes binários, dogmáticos, “isso ou aquilo”.
de um lado, o centralismo democrático – ainda que organizado e unificador – tende a verticalizar e subalternizar pautas específicas em detrimento de uma revolução socialista cada vez mais distante.
(ou: quantas de nós temos que morrer até a sua revolução, esquerdomacho?)
do outro, o sectarismo. SIM, é claro que a fragmentação foi absolutamente necessária para as lutas de direitos humanos e minorias – é importante que cada comunidade discuta suas próprias opressões em espaços exclusivos -, mas esse processo acabou gerando um racha intenso dentro da esquerda, enquanto nossos inimigos se fortaleciam. passamos a tretar mais e fechar menos.
foi tanta contenda interna e externa, tanta fragmentação, tanta desconstrução e tanto bombardeio que estamos assim: exaustes, em crise, levando uma lampadada por dia. e não é ruim reconhecer isso, não precisamos fingir que está tudo bem. pelo contrário: reconhecer a crise nos traz mais força para a desobediência civil. quanto mais lâmpada, mais rua.
nesse sentido, sinto que reexistir como ativista passa pela necessidade de pensar uma síntese pra essa relação dialética, um terceiro momento, uma alternativa estratégica que permita a coexistência de unificação e especificidade.
a revolta da lâmpada, coletivo em que milito desde a sua fundação em 2014, nasceu a partir dessa vontade: plataforma com horizonte interseccional que busca criar um denominador comum entre diferentes lutas sem hierarquizar suas pautas e deslegitimar seus espaços exclusivos.
pela ideia de CORPO LIVRE, marcham juntes na rua mulheres trans e cis, travestis, homens e mulheres negrxs, pobres, bichas, sapatonas, homens trans, imigrantes, pessoas refugiadas, corpos gordos, corpos que envelhecem, artistas independentes, trabalhadorxs, pessoas em situação de rua, etc.
realidades diferentes, níveis diferentes de privilégio, mas com algo em comum – corpos oprimidos por serem como são e operarem como desejam.
ocupar as ruas pelo corpo livre tem sido um exercício de reexistência e encontro, troca, afeto e celebração entre diferentes corpos para que marchem – e dancem – juntes: porque fervo também é luta (vai ter uma coluna só sobre isso).
não para que se unam sob uma mesma bandeira, e sim hasteiem todas as suas bandeiras ao mesmo tempo, no mesmo espaço.