Lula: Prisão Arbitrária e Política
Um juízo caudilho, messiânico, celebrado enquanto antagonista do réu, blindado e com ar de irretocável; com ampla e documentada aparência de suspeição. Por Leonardo Nader
Coluna por Leonardo Nader
Há como alguém pôr a mão no fogo pela inocência de Lula? Claro que não. Acho que mesmo os mais entusiastas estariam dispostos a aceitar uma punição justa por um crime comprovado. Não creio ser possível a convicção férrea de sua inocência; até porque questiono quem diz ter certeza que ele é culpado: com base em quê? Quantos leram as 36.000 páginas dos autos? Para a vasta maioria de nossa dividida população, quem tem convicções absolutas de culpa ou inocência, o faz com base de informações de mídia, de círculos e redes sociais. É uma base epistemológica muito frágil. Dizer que tenho plena fé na inocência de Lula seria tão intelectualmente desonesto quanto os que ululam de gozo por sua prisão.
Assim, tal como está assegurado na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos, o seguro é presumi-lo inocente até que tenha sido condenado por um tribunal independente, em um processo que atenda os padrões internacionais de direitos humanos. Nesses, se incluem os referentes à independência de juízes e promotores; o respeito à presunção de inocência; a previsibilidade processual; o não-abuso de prisão arbitrária para coagir delações.
É muito mais fácil constatar, de forma técnica, que nada acima ocorreu. Foi um processo de estrelismos, atalhos, exceções e excessos criados especificamente para se adequar ao calendário eleitoral. Uma prossecução de poucas provas; dependendo de delações dúbias, com apelos à convicções, powerpoints, mídia social, jejum e preces. Um juízo caudilho, messiânico, celebrado enquanto antagonista do réu, blindado e com ar de irretocável; com ampla e documentada aparência de suspeição.
Na vigência dessas condições; a prisão de Lula é arbitrária; política. Foi desenhada na medida para impedi-lo de concorrer às eleições. A celeridade processual do TRF-4, exótica a esse tribunal, é prova cabal disso. O tal “grande pacto nacional, com supremo, com tudo”, se mostrou em vigor na última votação do habeas corpus, com o confuso voto da Ministra Rosa Weber mostrando um Supremo acovardado. É a ruína institucional batendo na porta do país.
A resistência perpassa pela esfera internacional; seja pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, seja pela OEA e pela imprensa internacional. A erosão de nossa democracia deve ficar evidente ao resto do mundo. Os atalhos processuais, a conduta dos procuradores e magistrados; a ofensiva midiática: nada disso passará incólume pelo mais cursivo escrutínio técnico das normas internacionais de Direitos Humanos. A esquerda brasileira deve aprender o termo “failed to meet international standards”, em bom inglês; e repeti-lo para que o mundo todo ouça.
Não choro por Lula. Tenho medo de qualquer “culto à personalidade”; seja em torno dos méritos de Lula enquanto sindicalista e presidente, ou àquele instigado pelos adoradores de Sérgio Moro. Não acho ser Lula a maior vítima dessa derrocada democrática simbolizada na sua prisão. É o povo brasileiro, e nossa democracia, que sofrerão as consequências. Não choro por Lula, mas sim pelo Judiciário desacreditado e soberbo. Choro pelo Ministério Público; cuja independência funcional estará sempre parodiada no estrelismo de Deltan Dallagnol.
Choro pelas eleições sem o primeiro colocado nas pesquisas; pela direção que nossa democracia tomará com a legitimidade do pleito sendo questionada. Choro pelos que sofrerão na resistência; aos Defensores de Direitos Humanos que sofrerão destinos piores do que de Lula; uma vez que os propósitos desse golpe se efetivarem. Choro pelo fôlego que essa prisão dará a perigosos ideólogos da truculência; a saudosistas dos anos de chumbo; e a demagogos anti-minorias em todo o país.
Choro porque serei obrigado a presumir Lula inocente nas décadas que virão; estando arruinadas as instituições capazes de determinar o contrário. Mesmo se na verdade absoluta Lula for culpado; nossa prioridade a nível de justiça, de Direitos e de combate à corrupção continuará a luta por instituições sérias e democráticas, que respeitem os direitos humanos. E, santo ou pecador; a prisão de Lula se tornará símbolo dessa ruína. Haja choro!